quinta-feira, 6 de agosto de 2009

DIFERENTEMENTE IGUAIS OU IGUALMENTE DIFERENTES?

DIFERENTEMENTE IGUAIS
OU
IGUALMENTE DIFERENTES?
LUIZ MÜLLER

O presente texto, escrito para cadeira Leitura e Elaboração de Textos filosóficos tem por objetivo identificar a forma pela qual o conhecimento ocidental trata a questão das diferenças, quais as soluções e qual o método eficaz que alguns autores consultados apresentam para solucionar isto que identifico como problema para a filosofia ocidental, que é a falta de alternativa, ou até mesmo a interdição e a exclusão dos diferentes do seio da sociedade universalisante, cujos parâmetros começaram a ser estabelecidos de forma definitiva através do pais da filosofia greco-ocidental. A consulta, em função do pouco tempo e também da quase ausência de referências à diferença nos pensadores ocidentais, acaba por ser limitada mas não ineficaz, pois pude identificar pensadores que se preocupam com a diferença, embora não a citem textualmente em alguns casos. Pude assim retomar a leitura de alguns autores os quais havia tempo não lia. E esta retomada me foi importante para identificar aspectos que não havia identificado na obra destes autores quando da primeira leitura, corroborando então aquilo que nos foi apresentado em aula enquanto necessidade de um olhar mais apurado acerca de cada autor, pois na elaboração destes pode haver entendimentos diferentes daqueles que se possa encontrar a uma primeira leitura dos mesmos. O texto retoma as questões que apontei no texto anterior, porém passa pela complementação necessária da aplicação de conhecimentos novos obtidos no decorrer da cadeira.
A diferença, embora evidente, não parece ser a principal preocupação dos pensadores ocidentais. Ao contrário, Platão ao propor o mundo das idéias, relega ao mundo e o que nele existe, apenas o papel de cópias imperfeitas. Já Aristóteles, embora considere o mundo como possibilidade, sinaliza para várias categorias e gêneros no qual todas as coisas e seres estariam enquadrados.
No caso do ser humano, homem e mulher seriam os gêneros adequados. Onde ficam então as diferenças? Mulher negra, homem índio, criança de raça amarela, etc… estão localizada exatamente aonde no nosso conhecimento ocidental?
Onde poderíamos localizar neste mundo do pensamento ocidental os cegos, os portadores de deficiências físicas, os superdotados e todo os demais diferentes entre si?
Ao procurar a palavra diferença em um dicionário de filosofia de José Ferrater Mora, não encontrei a palavra diferença. No entanto, na mesma letra D, encontro as palavras deus, determinismo e dialética entre outras. Todas a seu modo universalisantes, todas a seu modo totalizantes, pois já temos os seus significados. E, no entanto de significados tão diferentes. Por que motivos um pensador deixaria de fora de seu dicionário o significado da palavra diferença? Faltaria significado para ela?
Na república de Platão os poetas e artistas foram expulsos ou não puderam entrar. Só entravam aqueles que utilizavam suas palavras para reproduzir a idéia dos príncipes filósofos. Os demais eram diferentes e não tinham lugar.
Assim também na conteporaneidade, os artistas e poetas que não “rezam pelas cartilhas” do poder, são excluídos. Foi assim na sociedade totalitária soviética, cujos príncipes filósofos entendiam ter encontrado a ciência verdadeira e definitiva. Mas é assim também no ocidente “democrático”, onde artistas e poetas que cantam e contam o que vende, são ‘autorizados” a acessar o seleto mundo dos que “se dão bem”. Aos demais, resta a exclusão.
Os diferentes, se já não são mais queimados nos fornos dos campos de concentração, são no entanto eliminados na Faixa de Gaza ou mortos por inanição em Ruanda.
Os mesmos gregos que inauguraram a Filosofia, são também aqueles que nos legaram a democracia.
Mas se os filósofos se preocuparam e preocupam em encontrar o princípio, que afinal reduziria todas as coisas a uma só, tornando-as potencialmente iguais, a democracia grega alienou e excluiu mulheres, escravos, estrangeiros e crianças. Na historiografia grega encontramos esta democracia estampada. A diferença portanto também ali é excluída. A totalidade democrática não era afinal para todos, somente para os iguais. Iguais a que ou a quem? Quem outorgou a estes a sua igualdade, diferenciando-os dos demais?
A democracia hoje, como na Grécia, não resolve o problema das diferenças. As convenções, tanto naquela época quanto hoje, procuram aproximar da igualdade uma parcela dos diferentes. Mesmo assim parcela significativa continua excluída, seja por questões econômicas, físicas ou políticas.
E aqueles que por opção ou por convenção se sujeitaram ao estatuto da igualdade acabaram por esquecer a diferença que não deixou de existir e se submetem ao status quo estabelecido, do qual são signatários.
Enquanto isto, as ciências, através da biotecnologia e da nanotecnologia, buscam desenvolver cópias perfeitas do que é tão perfeitamente diferente como os seres vivos que habitam sobre a terra.
Haverá como unificar todos os ethos sem a subjugação forçada de uns pelos outros? Haverá forma possível de construir a igualdade respeitando todas as diferenças?
Vivemos um tempo onde é necessário lançar olhares novos sobre os velhos temas como a ética e a política, para que possamos continuar construindo o mundo de forma igual, levando em conta todas as diferenças existentes.
Trilhando caminhos para as respostas as questões apontadas, fui buscar em um texto de Ernildo Stein no livro intitulado Diferença e Metafísica, como este autor vê a questão da diferença.

A universalização para Stein parece conduzir a idéia de que a universalidade propugnada por muitos filósofos e utilizada pelos meios de comunicação, subvertem o indíviduo a mero espectador. Para este autor, a atual fase dos acontecimentos na ordem mundial sustentada pelo e no capitalismo, todos os acontecimentos são transformados em espetáculo e segundo ele, “se é mentira o que aparece, o outro lado, o que move tudo, o que funciona para o espetáculo, é a própria falsidade em sua trivial apoteose”.( Stein, Ernildo. Diferença e Metafísica:ensaios sobre a desconstrução)

Nesta sociedade universalizada a caminhada de um único indivíduo deixa de ter reconhecidas as suas diferenças para ser visto apenas como instrumento para a realização superior da espécie humana.
O que importará o que este indivíduo pensa, aspira e realiza na em sua esfera particular? Sua complexidade e perplexidade é comprimida n um código genético e decifrada no que nele está certo e errado e corrigida para melhor servir o avanço da espécie”.(Stein, E. Dif. e Met.:ensaios sobre a desconstrução, Pág. 79. EDPUC, 2000)

Para Stein, o processo de desconstrução, que no meu entendimento pode ser representado de forma simplificada pela separação entre filosofia, religião e arte, leva ao esquecimento da entificação do ser. Para Stein parece ser a Metafísica destinada a nos levar a um novo começo.

Já para Michel Foucault, ao se pronunciar na sua aula inaugural no Colege de France na década de 60, propõe outro alternativa para o novo começo:
O desejo diz: “Eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do discurso; não queria ter de me haver com o que tem de categórico e decisivo; gostaria que fosse ao meu redor como uma aparência calma, profunda, indefinidamente aberta,em que os outros respondessem a minha expectativa, e de onde as verdades se elevassem, uma a uma; eu não teria senão de me deixar levar, nela e por ela, como um destroço feliz”. E a intuição me responde: “você não tem por que temer começar; estamos todos aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis; que há muito tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar que o honra mas o desarma; e que lhe ocorre ter algum poder, é de nós, que ele advém”. (Foucault, Michel. A Ordem do Discurso, Pág.9 ,Ed. Loiola, S.Paulo, 1996).
Para Foucault, em uma sociedade como a nossa conhecemos muito procedimentos de exclusão. Segundo este autor, uma das formas mais conhecidas é a interdição. Constitui-se na sociedade moderna capitalista o direito privilegiado e exclusivo de quem fala e quem fala é quem detém o poder. Repete-se no discurso destes o chavão da igualdade introjetado pelo discurso propagado pelos meios de comunicação mas não vivido pelo diferente mundo dos que não tem os espaços de poder, e portanto de elaboração do discurso da ordem vigente.
Mas estaria então no discurso e na linguagem a possibilidade da superação das diferenças? Como diz Foucault, com certeza também não é esta a via:
“…a análise do discurso, assim entendida, não desvenda a universalidade de um sentido; ela mostra a luz do dia o jogo da rarefação imposta, como um poder fundamental de afirmação, rarefação, enfim, de afirmação e não generosidade contínua de sentido, e não monarquia do significante”. Ididem, pág. 70)

A diferença continua então excluída e nenhum dos autores, embora reconhecendo a sua existência, consegue desenhar, nas obras analisadas, o caminho definitivo para a superação do problema estabelecido com a visão universal do mundo proposto pelos filósofos desde os primórdios da filosofia.

Ernst Tugendhat em conferência publicada pela Editora da Ulbra, intitulada A Controvérsia sobre os direitos humanos, alerta para o fato de que a democracia parece ser uma autonomia coletiva, mas que quando se fala assim se esquece facilmente que então os indivíduos perderiam sua liberdade individual mais facilmente ainda a possibilidade da decisão por maioria poderia significar a aniquilação do derrotado.
“Falar da autonomia ou liberdade duma coletividade implica uma ambigüidade perigosa. Assim como o vê Rousseau, os indivíduos se coverteriam praticamente em partes do estado, sem vida própria como indivíduos.” (Tugendhat, Ernst. Não Somos de Arame Rígido, Pág 13 , 2002, Canoas,Ed. Da Ulbra)
Assim é necessário estabelecer contratos ou acordos aceitos pelo conjunto para que não haja a discriminação e conseqüente separação da diferença da coletividade estabelecida.
Mas quem estabelece os termos dos contratos ou acordos? Tugendhat se refere por exemplo aos “pais” da constituição americana, tida como símbolo de acordo para a democracia, que eram representantes do ricos. O que eles receavam era a ação da maioria pobre e por isto outorgaram ao povo aquela augusta lei democrática. Já Tomas Nagel, na sua obra A Ultima Palavra, ao discutir a questão da moral, afirma: “O outro enfoque se associa a tradição do contrato social e ao imperativo categórico kantiano. Tal enfoque concede a todos a não igualdade no fornecimento de informações no rumo da totalidade do valor, mas igualdade de status e de tratamento de determinados aspectos.”(Nagel,Thomas, A Ultima Palavra, 1998, UNESP Pág. 145) (Os grifos são meus)

Não me parece fácil encontrar saídas para a questão da diferença no conhecimento ocidental, apesar das poucas obras que consultei para elaborar o presente texto. Por isto uma pergunta me acompanha. Haverá a possibilidade do ser humano chegar a reconhecer todas as diferenças e a partir disto instalar o sistema do “a cada um de acordo com as suas necessidades” sem excluir ninguém? Aliás, esta proposição da necessidade o marxismo a associou a uma outra “de cada um de acordo com as suas possibilidades”, sem perguntar a vontade de cada um para a conclusão definitiva, e assim, como sempre ocorreu, o diferente, cuja vontade não se propunha nem a dar de acordo com a sua possibilidade e nem a receber de acordo com a sua necessidade, restou a aniquilação.
A ciência e a tecnologia, com a possibilidade de intervir na genética excluirão os diferentes, transformando a raça em entes iguais de acordo com as necessidades, desejos e interesses de quem paga para manipular o conhecimento técnico, mantendo a exclusão dos diferentes, como no grande acordo democrático da constituição americana, elaborada pela minoria absoluta mas igual entre si?

Bibliografia:
Foucault, Michel. A Ordem do Discurso,Pág.9 ,Ed. Loiola, S.Paulo, 1996
Stein, E. Dif. e Met.:ensaios sobre a desconstrução, Pág. 79. EDPUC, 2000)
Tugendhat, Ernst. Não Somos de Arame Rígido, Pág 13 , 2002, Canoas,Ed. Da Ulbra
Nagel,Thomas, A Ultima Palavra, 1998, UNESP

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