quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 18 de maio de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

FORA DA CAVERNA

Uma Apologia ao Mito da Caverna

Regisfilósofo



Regis Domix Leal nasceu em Viamão, RS. É graduado em filosofia e trabalha em hemoterapia.
Entre os assuntos acadêmicos, O Mito da Caverna despertou a curiosidade, a comparação entre a suposta realidade, a vida utópica e os valores morais extirpados do convívio dos seres humanos.
Fora da Caverna procura mostrar a limitada visão das sombras que são refletidas na tela da realidade pelos veículos de comunicação, como são criadas e vividas pelas pessoas.
Neste comparativo nos remete ao mundo sombrio das imagens mostradas pela realidade existente no empírico mundo manipulador. Nesta perspectiva induz o leitor a ver não apenas sombras, mas o conhecimento possível que existe através do senso-crítico que a filosofia pode proporcionar.


A idéia inicial de escrever este texto surgiu das inúmeras vezes nas quais fui interpelado sobre questões relacionadas à minha formação por pessoas do meu convívio, mas leigas na área. O texto a seguir é a tentativa de expor da forma mais acessível possível questões para as quais se poderiam preencher enciclopédias. Peço desculpas assim aos meus colegas se em alguns pontos posso parecer muito sucinto, mas é a forma com a qual espero ser melhor compreendido pelos amigos de outras áreas, despertando neles a amizade pelo conhecimento.
Assim, pela solicitação de alguns amigos, atrevo-me a desenvolver um texto que contenha as correlações que o Mito da Caverna pode proporcionar com a realidade. Desta apologia, surge o intuito de instigar a reflexão da metáfora Fora da Caverna.
Neste excelente exercício, percorreremos um caminho em que teremos como objetivo: repensar os conceitos básicos da relação entre os mais favorecidos e os que pouco possuem. Sobre como a realidade é mascarada e manipulada pelo sistema dominador.
Sempre me fascinaram as idéias platônicas. Entre elas, O Mito da Caverna despertou grande interesse e proporcionou muitos questionamentos em relação ao sistema em que vivemos. Em homenagem aos amantes de uma boa conversa filosófica decido escrever sobre esse assunto. Para esse fim, utilizo bons autores, e, sem a preocupação acadêmica solto, o pensamento livremente. Com poucas referências, apenas com o cuidado de ressaltar algumas idéias importantes de textos utilizados. Deixo algumas reflexões sobre o comportamento dos homens, seus conflitos em relação ao próximo, seus valores e algumas mudanças de comportamento que seriam produtivas a sociedade.
A finalidade ao abordar o Mito da Caverna é estabelecer uma relação com o comportamento humano, como este se mantém inserido na influência que a sociedade sofre e construir uma concepção sobre como agimos, o que podemos fazer para alterar essa alienação e como conduzir o pensar livremente sem a influência externa. Como e de que forma utilizar as ferramentas do pensamento puro para formular uma análise crítica das nossas possibilidades de mudança frente ao que enfrentamos. Para esse fim, serão analisadas as idéias básicas do Mito da Caverna, sua exposição feita por Platão no livro VII da República, onde faz uma relação com a morte de Sócrates, bem como com nossa maneira de viver atualmente. Também serão trabalhadas as influências que os veículos de comunicação representam na formação intelectual e cultural do ser humano, a influência e o direcionamento que impõem à sociedade.
Nessa reflexão, será abordada uma relação a nossa inclusão ou não no paradigma do Mito da Caverna, a possibilidade de sairmos das cavernas existentes e buscar fora destas uma compreensão mais apurada da realidade. Não é nossa intenção delimitar problemas, abordar a influência sócio-econômica e sócio-cultural. Não queremos realizar inferência sobre a sociedade como um todo, mas o que analisamos sobre as perspectivas e possibilidades do pensamento humano, e como este pode se libertar do condicionamento que sofre. Com estes elementos trabalhados, buscar uma compreensão clara e realista da situação de dominação que sofrem os indivíduos.
O tema proposto realça a importância do cumprimento ético que deve ser utilizado pelos veículos de comunicação para construir uma vivência verdadeira e realista em todos os aspectos desta relação. Com este posicionamento, o Mito da Caverna propõe uma relação com a programação utilizada pela mídia eletrônica que induz o pensar, o agir dos indivíduos, determina seus comportamentos, e utilizando-se da persuasão manipula e direciona as atitudes humanas. Desta forma, a mídia retrata as sombras obscuras da caverna que vivemos, podendo assim nivelar o pensar e o agir social.
Nosso objetivo é identificar e mostrar que é possível observar outras formas de enxergar a realidade. Avaliar os paradigmas que nos são apresentados, identificar como somos induzidos pela mídia em nosso dia a dia, o poder que os veículos de comunicação têm sobre as pessoas e como o senso-comum é construído.
Com o Mito da Caverna podemos formular hipóteses e construir um questionamento racional lógico sobre como enxergamos a realidade. Observar os fatos, como eles realmente são em sua essência, sua importância para nossas vidas e como utilizá-los de maneira adequada para nosso crescimento intelectual e social.
Direciono estas palavras principalmente aos amigos pelos momentos de reflexão e aos jovens iniciantes da filosofia.
Dedico estas palavras a minha filha Jéssica, a minha neta Carolina e a minha família. Que estas palavras sirvam como instrumento de reflexão em suas vidas.
A decisão de reproduzir este artigo em cópias virtuais em CD foi a maneira mais simples e popular que encontrei para distribuir aos amigos este texto. Nos anexos, serão encontrados alguns artigos importantes na compreensão do assunto. Também alguns livros básicos da filosofia que servirão para aprofundar o leitor no contexto filosófico, algumas mensagens e algumas fotos pessoais.

Nas cavernas obscuras da realidade de Atenas, o filósofo Sócrates decide romper com as amarras que o prendiam no mundo das sombras e o limitavam a conhecer novas formas de enxergar a realidade. Saindo daquela realidade subterrânea, busca outras concepções sobre a realidade. Sabe que muitas alternativas são possíveis fora daquele contexto sombrio. Conhecedor destas possibilidades se pergunta: O que existe realmente do lado de fora da caverna? Existe outra idéia sobre os acontecimentos ou cada dimensão da realidade é simplesmente um conjunto de realidades diferentes dentro de uma realidade maior? Elas abrangem várias dentro de si, ou cada concepção tem um nível de reflexão independente? Estas dúvidas percorrem vários caminhos ou esses caminhos são desvios que criamos para não enfrentarmos a realidade de forma direta? Na busca de respostas para uma compreensão mais clara da realidade, decide arriscar sua própria vida ao questionar a forma como viviam os atenienses, ensina aos jovens perguntando o porquê das coisas e porque elas eram como eram.
Fora da Caverna, nos faz refletir sobre a realidade que muitas vezes é conduzida de forma imposta, e a ferramenta paradigma é a mais consistente, no sentido de fazer com que a sociedade veja, mas não enxergue. Traz o Mito da Caverna um excelente exemplo de que a realidade é algo que pode ser enfocado como algo imutável na versão do poder. Ou seja, os atores coadjuvantes da sociedade devem agir conforme os trilhos que lhe são impostos.
Numa concepção de poder, guiar comportamentos na sociedade, estabelecer paradigmas aceitos e imutáveis, é um fator determinante para atrelar o pensar e o agir do ser humano, condicionar sua relação com o próximo de forma alienada e determinar uma linha de comportamento de acordo com as normas estabelecidas pelo sistema social.
Existem momentos em nossas vidas em que o simples viver não consiste em uma verdade absoluta. O despertar para as possibilidades da vida pode fornecer ilimitadas ações. Destas, algumas podem alterar a perspectiva cotidiana que vivemos. A realidade pode ser representada por sombras refletidas por uma realidade empírica que não percebemos por completo. A verdade dos fatos é sublimada por intenções determinadas que limitam a compreensão dos acontecimentos.
O Mito da Caverna torna-se um instrumento importante na reflexão que fazemos da realidade contemporânea, possibilita uma análise profunda dos fatos, além de construir uma concepção inovadora de como e de que forma poderíamos recriar o mundo.
Os vários caminhos da vida analisados em suas várias formas de ser permitem construir muitas concepções sobre como vivemos. As idéias dos grandes filósofos nos servem de suporte para aprofundarmos algumas questões importantes na reflexão da realidade. Para construir estas idéias é necessário, primeiro, compreender que o conjunto de situações das quais vivemos são produzidas por nós mesmos e que com um profundo estudo destas, podemos ampliar nossa percepção os fatos. Porque eles são como são e porque são construídos da forma em que são apresentados? Com mais conhecimento destes fatos, podemos entender melhor os pontos mais relevantes que correspondem às situações mais complicadas pelo ser humano em seu dia a dia.
Nossa concepção de realidade está relacionada ao que acreditamos como verdade absoluta. Construímos nosso ambiente social, cultural, político e pessoal conforme o que enxergamos dos conceitos empíricos utilizados pela sociedade dominante. Na convivência com o meio, muitos acontecimentos são fundamentais para a organização do que definimos como padrão de comportamento, mas nem sempre temos a clareza de compreender e visualizar além do cotidiano. Existem dificuldades para entendermos o que ocorre no dia-a-dia, somos bombardeadas com informações múltiplas e diversificadas, nosso cérebro não consegue analisá-las em seu todo, absorvemos o mínimo que nossa capacidade tem de sintetizar estes fatos, não compreendemos o significado real do que está embutido dentro destas mensagens, qual sua importância, qual seu real significado e qual seu objetivo maior ao serem apresentadas.
Nossa realidade encontra-se atrelada a muitos objetivos, alguns econômicos, outros políticos, culturais e religiosos. Nestes, alguns interesses conduzem os padrões de comportamento das pessoas de tal forma que limitam sua avaliação do que é real e do que é ilusório. Para melhor entender estas concepções, será importante buscarmos alternativas de entendimento através das possibilidades que permitam visualizar outras realidades fora da caverna social. Para melhor entendermos e trabalharmos estas idéias, faremos uma rápida explanação sobre o Mito da Caverna descrito por Platão no livro VII da Republica. Com este construiremos uma análise crítica do sistema que vivemos, suas manobras sobre nosso comportamento, bem como nossas vidas são conduzidas e direcionadas por interesses maiores do que os valores humanos e sociais, como são suprimidos e como nossa realidade é corrompida pelo sistema dominante.
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais terem efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caver­na. Do lado de fora, pessoas passam conversando e car­regando nos ombros figuras ou imagens de homens, mulheres e animais cujas sombras também são projeta­das na parede da caverna, como num teatro de fanto­ches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e as imagens das coisas que trans­portam nos ombros são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam. Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas que julgam ver (sem vê-Ias realmente, pois estão na obs­curidade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindos de fora, são as vozes das pró­prias sombras e não dos homens cujas imagens estão projetadas na parede; também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros são vozes de seres reais. Qual é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade, tanto às sombras das coi­sas e dos homens exteriores como às sombras dos artefa­tos fabricados por eles. Essa confusão, porém, não tem co­mo causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições adversas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados dessa condição de miséria? Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instru­mento com o qual quebra os grilhões. De início, move a ca­beça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um cami­nho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados. Enche-se de dor por causa dos movimentos que seu corpo realiza pela primei­ra vez e pelo ofuscamento de seus olhos sob a luz externa, muito mais forte do que o fraco brilho do fogo que havia no interior da caverna. Sente-se dividido entre a incredulidade e o deslumbramento. Incredulidade porque será obri­gado a decidir onde se encontra a realidade: no que vê ago­ra ou nas sombras em que sempre viveu. Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não con­seguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primei­ro impulso é o de retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver, e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar voltar à caverna on­de tudo lhe era familiar e conhecido. Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vi­da toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Dora­vante, desejará ficar longe da caverna para sempre e luta­rá com todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisio­neiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e con­vencê-los a se libertarem também. Que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam fa­zê-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente aca­bam por matá-lo. Mas, quem sabe alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da ca­verna rumo à realidade.
Ao construir o mito da caverna, Platão procurou utilizar esta metáfora para ilustrar a morte do filósofo Sócrates e como vivia a sociedade Ateniense. Com medo da reação dos governantes que poderiam lhe impor decisões drásticas se falasse de forma direta, expõe sua visão de forma indireta, mostra que as distorções da realidade estão atreladas aos interesses e aos fatores que determinam e subjugam os membros de uma sociedade.
O Mito da Caverna tem permitido através dos tempos um profundo e elaborado estudo crítico do pensar humano, a forma como somos manipulados para aceitarmos determinadas situações do cotidiano. Para melhor entendermos a idéia platônica e a importância que representou e ainda fornece ao pensar, faremos uma breve explanação sobre quem foi e como pensava Sócrates, sua importância naquele contexto social e sua influência nos dias atuais.
Sócrates foi mais do que um filósofo. Dominou o cenário intelectual e político de Atenas, enterrou de vez o politeísmo na Grécia antiga, serviu de espelho para dezenas de jovens em busca de conhecimento e, como se não bastasse, exerceu uma influência poderosa sobre toda a civilização ocidental. Apesar de tantos méritos, Sócrates não deixou uma linha sequer escrita. Quase tudo o que se sabe sobre suas idéias foi compilado por seu discípulo Platão. Ele propriamente nunca escreveu nada. Era adorado por seus alunos. Onde ele falava, reunia multidões de jovens, ávidos por ouvir suas palavras de sabedoria. Jovens ricos como Platão e Alcebíades deleitavam-se com as críticas de Sócrates à democracia ateniense e com suas reflexões sobre a virtude e a ética. Sócrates dizia que o começo da filosofia se dava quando as pessoas duvidavam de suas próprias certezas, admitiam a ignorância e abriam mão dos dogmas. E um fato que viria a marcar o resto de sua existência, a declaração pelo Oráculo de Delfos de que ele era o mais sábio dos homens.
Atônito diante dessas palavras, Sócrates ficou se perguntando como ele poderia ser esse homem tão sábio, logo ele que se considerava um ignorante. A partir dessas reflexões, o filósofo concluiu que sua sabedoria só poderia residir na consciência que tinha do fato de que nada sabia. Por isso, cunhou a famosa frase: “Só sei uma coisa: é que nada sei”. As palavras do oráculo soaram aos ouvidos de Sócrates como a enunciação de uma missão, buscar os que se julgavam sábios e mostrar-lhes a sua ignorância. Questionava seus conhecimentos até provar à própria pessoa e a quem o assistia que sua sabedoria era ilusória. Segundo Sócrates, as crenças humanas podem esconder desejos secretos, que usam o pensamento para gerar idéias pretensamente lógicas. Para evitar esse (engodo) engano, Sócrates dizia que não poderia haver filosofia sem autoconhecimento. E aí surge outra frase famosa do filósofo: “Conhece-te a ti mesmo”. Sócrates dedicava-se muito mais a perguntar do que responder. Ele questionava conceitos como honra, valores, moralidade, ética e perguntava-se o que o homem queria dizer com eles. Sócrates desenvolveu uma investigação importante pelo significado das palavras. Seu objetivo, porém, não era chegar a definições e conceitos definitivos. O que lhe interessava era apenas a troca de idéias, a conversa. A meta da discussão não era o assunto em si, mas o interlocutor. Se conseguisse mostrar ao interlocutor que ele era detentor de falsas verdades, que o seu conhecimento era limitado e que seus conceitos eram obscuros, Sócrates dava-se por satisfeito. Pois, para ele, o reencontro consigo mesmo só pode se dar a partir da consciência da própria ignorância. E para trazer à tona a verdade do sujeito, o que lhe vai à alma, Sócrates criou um método específico. Esse método chama-se maiêutica, que significa parto de idéias, em homenagem à sua mãe, que era parteira. Nesta, estimulava seus alunos a dar à luz novas idéias. Interrogando-os incessantemente, ele fazia surgir à verdade escondida neles. Num jogo praticamente sem fim, o filósofo desafiava os interlocutores, estimulando os mesmos a parir o que estava escondido, ignorado por eles mesmos. Para ele, o fundamental era a reflexão sobre a vida da polis (cidade), os costumes e comportamentos. Esses fatores formam o que os gregos chamavam de ethos (estilo de vida). Sócrates é, então, o inventor da ética. Ele foi o primeiro a questionar as ações humanas e os valores subjacentes a elas. Sobre a ética e os valores refletiremos mais adiante.
Por seu caráter desafiador e questionador, Sócrates foi considerado um inimigo da democracia ateniense e um elemento corruptor da juventude. Na sua ânsia de despertar a sede do conhecimento em todos, ele desafiou preconceitos sociais da época como, por exemplo, o de que um escravo não teria condições de conceber e assimilar idéias. No ano de 399 a.C. um tribunal formado por cidadãos proveniente de dez tribos que compunham a população de Atenas reuniu-se para julgar Sócrates. O filósofo foi acusado por três figuras da sociedade, Meleto, Ânito e Lícon de não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Em seu julgamento, o filósofo manteve-se tranqüilo, dialogou com seus acusadores e, em nenhum momento, apelou por clemência ou a bajulação. Aos 72 anos, ele foi condenado a beber cicuta (um tipo de veneno), mas antes disse: “Eis à hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém o sabe, exceto Deus”.
Com as explicações sobre como Sócrates conduzia seus ensinamentos e como fazia a autocrítica sobre o que pressupomos saber, podemos retornar ao Mito da Caverna. Aqueles seres presos na caverna eram a própria sociedade ateniense que estava embutida dentro de uma visão limitada e vivenciada nos mitos e deuses. Quando alguém sai deste meio por ter uma idéia diferenciada, pode significar que o conhecimento é para poucos e esta possibilidade inacessível para a maioria que se encontra condenada à escuridão da caverna. Este ser será visto como subversivo e contrário às normas vigentes. Desta forma, ao sair da caverna, Sócrates visualiza uma realidade diferente da vivida pelos atenienses. E como é normal, quando se tem uma idéia diferente, procura-se mostrar que além do costume há outras formas de ver a realidade. As sombras não são à realidade fora da caverna, são puras imagens projetadas por outra realidade e refletidas através da entrada desta caverna. Lá fora, Sócrates enxerga as próprias coisas, descobre que, durante toda a sua vida, não vira senão sombras de imagens e que somente agora está contemplando uma nova realidade. A percepção que temos do interior da caverna é construída por meio da captação que nossos sentidos conseguem absorver, e nem sempre aquilo que percebemos condiz com a verdade dos acontecimentos.
A transcendência para vencer o caminho que nos leva ao conhecimento representa o difícil percurso entre a ignorância e o conhecimento mental que se amplia nesta mudança de ambiente. Lá fora brilha o sol, existem pássaros, árvores, campos e pessoas que podem ser diferentes em muitos aspectos daqueles que conhecemos. O conhecimento só é ampliado no contato com esta nova realidade. Nesta visão real que podemos ter dos fatos, nossa criatividade se amplia e reconhecemos as limitações daqueles seres aprisionados no interior da caverna. Sem entenderem o que são as sombras, como se formam e o que elas representam em suas vidas, ficam condicionados àquelas imagens falaciosas. Os acontecimentos representados pelas sombras não são acontecimentos empíricos, são imagens ilusórias refletidas dos fatos reais que ocorrem fora da caverna.
Podemos analisar o contexto do Mito da Caverna em suas expressões e possíveis realidades. Encontramos nele toda a caracterização de uma sociedade que se fundamenta nas aparentes verdades que servem para justificar e organizar seu contexto sócio-cultural. Dentro desta conjuntura, são definidas as ações, pensamentos e sua forma de conduzir o convívio entre seus membros. Assim, podemos fazer alguns questionamentos como: O que é a caverna? O mundo irreal que somos induzidos a habitar. Ou seja, o mundo das sombras da caverna coletiva em que nos encontramos, vivendo conforme a realidade percebida e compreendida como verdade. Nesta, somos enclausurados por um conjunto de situações criadas e padronizadas como reais. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos e acreditamos ser a única visão de realidade possível em nossa vida. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo, aquele que não se limita a receber algo como real sem analisar, questionar e criticar a tudo para buscar outras formas de conceber o mundo visível e o subjetivo. Aquele que no conhecimento puro, na essência das idéias, consegue ver as possibilidades de mudanças dos paradigmas existentes. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade, aquela que permite ao filósofo identificar que as sombras são uma ficção abstrata e que é fora destas sombras que a realidade existe. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras, ou seja, onde o conhecimento real dos fatos nos permite ver a verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética, aquela que nos fornece a arte do diálogo e que aos poucos passa a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos em uma discussão. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. E o que é a Filosofia? Para compreendermos melhor estes questionamentos filosóficos, faremos uma rápida explicação sobre a filosofia, o que é, e o que representa como ciência.
A filosofia aparece na Grécia por volta do século VI (ou VII) a.C. com Tales de Mileto. Ele é o marco inicial da filosofia ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colônia grega, na Ásia Menor, atual Turquia. Foi o fundador da Escola Jônica. Tales considerava a água como sendo a origem de todas as coisas. Foi o primeiro a explicar o eclipse do sol, ao verificar que a lua é iluminada por esse astro. Tales de Mileto que, ao estabelecer a proposição de que a água é o absoluto, provoca como conseqüência o primeiro distanciamento entre o pensamento racional e as percepções sensíveis. Certa vez perguntaram a Tales o que era difícil, ele respondeu: “Conhecer a si próprio”. Quando lhe perguntaram o que era fácil, ele respondeu: “Dar conselhos”. Se Tales aparece como o iniciador da filosofia, é porque seu esforço em buscar o princípio único da explicação do mundo não só constitui o ideal mesmo da filosofia como também lhe forneceu impulso para o seu próprio desenvolvimento. Por meio de longo processo histórico, a filosofia surge promovendo a passagem do saber mítico ao pensamento racional, num processo de questionamentos e análise da realidade sem, entretanto, romper bruscamente com os conhecimentos do passado. Mas, procura identificar nos mitos, uma falsa realidade. Os primeiros filósofos gregos compartilhavam de diversas crenças míticas, enquanto desenvolviam o conhecimento racional que caracterizaria a filosofia.
Assim, a filosofia tornou-se uma atividade racional voltada à discussão e à explicação intelectualizada das coisas que nos circundam um modo de pensar, uma postura crítica diante do mundo. A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é, antes de qualquer coisa, uma prática de vida que procura pensar os acontecimentos além de sua pura aparência. Assim, ela pode se voltar para qualquer objeto. Pode pensar a ciência, seus valores, seus métodos, seus mitos. Pode pensar a religião, pensar a arte. Pode pensar o próprio homem em sua vida cotidiana. Tudo pode ser objeto da reflexão filosófica. A filosofia parte do que existe, critica, coloca em dúvida, faz perguntas importunas, abre a porta para as possibilidades, faz-nos entrever outros mundos e outros modos de compreender a vida. Questiona o modo de ser das pessoas, das culturas, do mundo. Não há área onde ela não se meta, não indague. E, nesse sentido, a filosofia é "perigosa", "subversiva", pois pode alterar tudo que foi estabelecido como verdadeiro em falso, e até o que não tinha sentido real em verdade, não absoluto, mas com possibilidade de ser desmembrada e analisada. Pode inverter as opiniões definitivas e propiciar nova discussão utilizando-se de argumentos mais refinados e desprovidos de pré-conceitos.
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana.
Marx declarou que a filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo.
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Talvez a divulgação da imagem do filósofo como sendo uma pessoa "desligada" do mundo seja exatamente a defesa da sociedade contra o "perigo" que ele representa. O trabalho do filósofo é refletir sobre a realidade, qualquer que seja ela, re-descobrindo seus significados mais profundos.
A filosofia quer encontrar o significado mais profundo dos fenômenos. Não basta saber como funcionam, mas o que significam na ordem geral do mundo humano. A filosofia emite juízos de valor ao julgar cada fato, cada ação em relação ao todo. Assim, filosofar é uma prática que parte da teoria e resulta em outras teorias.
Desse modo, embora os sistemas filosóficos possam chegar a conclusões diversas, dependendo das premissas de partida e da situação histórica dos próprios pensadores, o processo do filosofar será sempre marcado pela reflexão rigorosa e radical. Se compreendermos a Filosofia em um sentido amplo como concepção da vida e do mundo, poderemos dizer que sempre houve filosofia. Ela é uma exigência da própria natureza humana. O homem, imerso no mistério do real, vive a necessidade de encontrar uma razão de ser para o mundo que o cerca e para os enigmas de sua existência.
Porque imaginam que o mundo sensível, ou seja, o mundo empírico é o mundo real e o único verdadeiro. Não conseguem sair das sombras e despertar o conhecimento a priori na sua concepção mais pura de ser. Aquele que permitiu que Sócrates se libertasse das concepções do senso-comum para transcender em sua escalada, que lhe permitiu sair da caverna.
É exatamente neste sentido que o Mito da Caverna rompe com o tradicional conceito coletivo para retratar novas facetas sobre nosso existir. O Mito nos apresenta uma visão que explica o mundo e o que rodeia o homem; suas estruturas fechadas, limitadas, são suposições com caráter amplamente dogmáticas que pretendem ser uma verdade absoluta e inquestionável. Nem sempre o que está a nossa volta determina a própria realidade, as visões que temos sobre nossas próprias reflexões devem ter um cunho mais profundo dentro da nossa análise conceitual sobre a verdade.
As verdades concebidas como definitivas por um grupo social nem sempre lhe permitem uma concepção real dos fatos. E neste sentido, as observações sobre a realidade estão baseadas no binômio observar e aceitar, são concebidas como padrões de convívio, tornando-se perigoso aceitá-las simplesmente sem uma análise crítica e rigorosa.
Aristóteles dizia que a verdade seria como correr atrás de pássaros voando, ou seja, nossa verdade pode ser questionada e conduzida para um fim que não corresponda aos critérios críticos possíveis e ao bom entendimento da realidade. A busca da verdade requer um incessante estado de vigilância das circunstâncias as quais vivemos e se perceba que no olhar crítico ao qual empregamos, exista uma percepção rígida constante de rever os paradigmas que construímos como verdades absolutas. A verdade que serve para um pode não servir para o outro ou, o que consideramos como verdade pode estar totalmente errada para o outro. Assim, nossos conceitos devem ser analisados logicamente não fugindo à razão. Somente com esta reflexão é possível sabermos se nossa visão sobre a realidade pode estar completamente errada ou não corresponder aos fatos com igualdade de compreensão. São estes conceitos críticos que determinam as facetas que nossa realidade pode determinar para nossa vida.
Com esta visão teórica, as ações são construídas dentro da limitada e obscura concepção que adotamos como fundamento para fortalecer as imagens que se projetam em nossa mente. Dentro de uma nova idéia, as sombras são vistas como realmente são criadas. Ou seja, nossa expectativa sobre elas é real, e não reduzidas às meras sombras que são criadas. Mas é sabendo que são sombras podemos determinar que imagens não conhecidas sejam premissas de sua criação. São a partir de supostos vultos que são refletidas. Mas que vultos refletem estas sombras? Mesmo que não se saiba ao certo quem as produz, sabemos que não são reais, mas imagens que surgem de uma ação que não faz parte daquele espaço real. Quando estas sombras criam-se a partir de elementos conhecidos, permitem compreensão e conhecimento, mas quando não são definidas como verdadeiras ao que consideramos como reais tornam-se meros conceitos sem fundamentos lógicos. Muitos conceitos de nossa realidade são meras sombras para nossa visão de espaço e tempo, e a investigação da verdade, somada à interpretação dos fatos que nos rodeiam, são elementos básicos para nossa reflexão permanente desta realidade. Com estes, podemos deixar sempre em aberto a busca do nada que pode ser tudo, ou do tudo que pode ser nada. Muitas vezes encontramos uma verdade em situações simples que não nos dizem muito, em outras não encontramos argumentações convincentes e lógicas, tornando-se vagas no sentido que procuram atingir.
As idéias investigadas podem ser consideradas como obscuras em relação ao que supomos como reais, mas são com elas que nossa visão pode construir outras concepções de realidade. É com esta formulação que o mito da caverna vai ao encontro das múltiplas idéias que temos sobre as cavernas em que nos escondemos. Quais são os momentos em que realmente sabemos que não estamos na caverna? Ou será que vivemos constantemente dentro de cavernas obscuras onde são refletidas as imagens que são de interesses maiores? São cavernas tão reais que até acreditamos que não existam outras além delas. São nessas cavernas que estamos enclausurados por um poder social maior que só permite que sejam projetadas sombras que não prejudiquem suas ambições e lucros.
Será que Sócrates teria uma visão semelhante a esta ou criaria outra idéia sobre nossa realidade? Provavelmente Platão abordaria como mais uma apologia que pode contribuir para sairmos da caverna do senso-comum, buscar respostas para muitos questionamentos e voltar à realidade para dizer que somos muitos dentro da caverna urbana. E de que forma a caverna pode ser vista por quem procura fora dela algo que responda a tantas indagações e questionamentos? Muitos com certeza dirão que vivemos numa irrealidade individual. Platão, ao retratar a morte de Sócrates, também procurou direcionar suas concepções de forma não direta, mas determinando uma busca profunda que rompesse com as limitações existentes e deixando em aberto possíveis conceitos e imaginações sobre a realidade. Com esta vontade de mostrar outras idéias é que podemos construir novas concepções sobre o real e, assim, conduzir nossa caminhada em direção à luz que penetra pela abertura da caverna social e reflete as sombras do senso-comum que encobertam o verdadeiro conhecimento da realidade.
Podemos visualizar várias e possíveis idéias que circundam nossa imaginação sobre o cotidiano. Qual será a verdadeira realidade? Será que estamos presos a um sistema tão dominador e manipulador que não nos damos conta das contradições a que estamos submetidos? Ou será que apenas fazemos parte de uma massa de seres que realizam suas funções sociais sem a preocupação sobre o que fazem? São tantos os questionamentos possíveis sobre as condições de vida, sobre a maneira desumana que vivemos a condução da política pública e outras decisões que acabamos submissos ao sistema de vida dominador.
Quando existem as possibilidades de um aprofundamento sobre as teorias críticas que foram desenvolvidas durante a história da humanidade, iniciamos uma profunda reflexão sobre as hipóteses levantadas pelos grandes pensadores. Elas são profundas respostas às súplicas de seres que viveram com a vontade de transformar o mundo em um local digno e humano para um bom convívio dos seres humanos. Na apologia à morte de Sócrates, Platão procura mostrar a importância do pensamento socrático e desmistificar idéias obscuras sobre sua visão de sociedade dominadora. Naquele período, alguém com tais idéias era visto como uma ameaça ao sistema dominador. Procuravam encontrar mecanismos para permanecerem dominantes, ás vezes estes meios eram ilícitos, se necessário até violentos, como na morte de Sócrates que não encontrou alternativa entre abster-se de suas idéias, retirar-se da Polis a qual sempre viveu ou tomar cicuta.
Uma sociedade que não encontra alternativas para seus membros viverem com dignidade, com valores éticos e morais dentro de uma realidade adequada ao bom convívio, não possui lideres sérios e preocupados em buscar alternativas possíveis para uma boa convivência. Encontram-se enclausurados em suas cavernas, são dominadores, esquecem suas funções como lideres e representantes da sociedade. Sócrates começou a desmistificar a sociedade ateniense ao ensinar aos jovens como despertar em si mesmos a crítica ao sistema de vida social de Atenas.
Aquela sociedade era presa aos mitos e repudiavam as novas idéias que Sócrates incitava aos jovens em seus ensinamentos. Ensinava a questionar e ver a verdade com profunda reflexão, assim, tornou-se um problema para os governantes. Suas idéias transformadoras conduziam os pensamentos dos jovens para fora da caverna social. Num mundo obscuro e corrompido por decisões articuladas e voltadas às práticas religiosas, os deuses eram à base da sustentação daquele sistema obscuro e utópico. Sócrates, por ser conhecedor de visões alternativas de convivência, não acreditando nos deuses e sim na razão, possibilitava aos jovens questionamentos sobre as formas e maneiras de conduzir suas vidas.
Saindo do contexto social ateniense, relacionando o Mito da Caverna com nossos padrões atuais, podemos refletir sobre nosso comportamento frente à sociedade, como esta é conduzida, e perceber às múltiplas facetas que determinam nossas vidas. Será que vivemos fora ou dentro de cavernas obscuras? Somos membros de uma sociedade ou simplesmente massa de manipulação? Vivemos o que gostaríamos ou somos obrigados a viver de acordo com os padrões estabelecidos e os interesses de alguns mandatários? Será que o que fazemos não merece mais valor do que o que estamos recebendo? São muitos os questionamentos e as alternativas sobre as cavernas em que nos encontramos. Os indivíduos estão isolados dentro de uma sociedade dominante e se submetem ao que ela determina como padrão.
Para romper com alguns padrões estabelecidos, o sujeito deve ser consciente e ser identificado como vontade e razão. Existe um comportamento humano que tem a própria sociedade como objeto regulador. Este comportamento pode prover de uma estrutura social, mas não é a sua intenção consciente nem a sua importância objetiva que faz com que alguma coisa funcione melhor. Neste sentido, o indivíduo aceita as determinações preestabelecidas da sua existência. Nem sempre consegue encontrar na moral e na sua honra à satisfação para realizar suas tarefas, sofre críticas enérgicas sobre seu comportamento, o que lhe causa medo e insegurança. Muitas vezes, tem vontade de buscar alternativas de mudanças, mas é condicionado pela imensidão de informações que recebe, sem compreendê-las aceita-as como reais, deixa que estas direcionem seu comportamento acreditando serem as melhores para sua vida.
Não há interesse em formar e informar as pessoas, pois o conhecimento e a capacitação igualam as classes. Na verdade, temos muitos fatores relevantes em relação a nossas hipóteses e teorias. O pensamento teórico compreende-se a si mesmo como hipótese e não como certeza, embora o crítico também tenha suas dúvidas. Quanto à experiência, a teoria tradicional aceita os fatos como são dados, já a crítica analisa, compara e confere. Isso tudo, sempre concorrendo para um melhor proveito do todo. O indivíduo e a sociedade sofrem uma divisão em virtude das quais os indivíduos aceitam como naturais às barreiras que são impostas à sua atividade, na medida em que considera ser o contexto condicionado pela cega atuação conjunta das atividades isoladas, isto é, pela divisão dada do trabalho e pelas diferenças de classe, como uma função que advém da ação humana e que poderia estar possivelmente subordinada à decisão planificada e a objetivos racionais. A razão não pode tornar-se, ela mesma, transparente enquanto os homens agem como membros de um organismo irracional.
A função da crítica torna-se clara se a atividade específica é considerada uma unidade dinâmica com a classe dominada, de tal modo que a exposição das contradições sociais não seja meramente uma expressão da situação, mas também um fator que estimula e que transforma. O pensamento crítico, a meta que este quer alcançar, isto é, a realização da racionalidade, sem dúvida, tem suas raízes na miséria do presente. O sentido do pensamento deve estar enraizado na transformação, contrária ao modo de pensar existente que permite a continuidade do passado, mas de um mundo que garanta uma crítica justa.
Nesta análise, como podemos perceber, concluímos que ela pressupõe o conceito de liberdade como característica principal. A representação de uma liberdade, mesmo que esta seja uma mera liberdade interior, pressupõe uma crítica do sistema como fundamento para compreendermos os fatos que circundam nossa realidade. Ela parece tão real como uma rocha, mas alguns outros objetos do mundo não são tão reais como parecem. A fronteira entre a existência e a inexistência pode não ser muito bem determinada pela razão humana, mas a filosofia pode nos auxiliar.
Se prosseguirmos além destas conclusões iniciais podemos compreender a formação do indivíduo. Ela acontece como um processo que deve incluir valores éticos e morais que determinem um padrão de comportamento social que inclua respeito pelo próximo e ao meio que vivem. Com estes elementos constituídos dentro da formação inicial do ser humano, poderemos observar mudanças que resultam em efeitos comportamentais em todos os sentidos.
Nesta análise, que sentido existiria se recebêssemos as informações pré-elaboradas, repassadas de forma sistêmica com conhecimentos acabados e com verdades absolutas que imobilizassem nosso processo de reflexão e ação diante de nossa existência no mundo? Ao rever essas perspectivas que nos possibilitam um olhar crítico e articulado ao desafio, podemos desenvolver as capacidades cognitivas e intelectuais por meio da vivência social, cultural e política. Para isso, é fundamental a capacidade de compreender a pluralidade das informações, como são repassadas e apresentadas como definitivas. Com este conjunto de conceitos e concepções, podemos buscar uma nova visão sobre o viver, uma investigação e discussão da interação da realidade, abrir o entendimento para a compreensão das formas atuais de dominação e opressão. Estes fatores permitem mostrar a importância de buscar um novo posicionamento diante do senso-comum para voltar-se para a consciência crítica. Desta forma, despertar as mudanças de atitude perante o mundo, responsabilizar-se pelas consequências e finalidades vivenciadas.
Não depender de outro para pensar possibilita uma mudança cultural de paradigmas vividos, alteração da mentalidade que passa pelo esclarecimento e emancipação do seu espaço. Buscar sua participação na construção da sociedade pelo posicionamento diante dos fatos. Isso desperta o conhecimento crítico e amplia o universo de possibilidades de mudar e superar as limitações na formação do indivíduo pela sociedade no acesso ao mundo. Devemos aprender a raciocinar por nós mesmos, e não pensar apenas sobre o que querem que pensemos, e que é preciso aprender a ver não só o que as pessoas que tem o poder nos mostram, mas ver além das coisas concretas.
Os homens que não queriam sair da caverna somos nós que não estamos dispostos a refletir, porque já estamos acomodados a esta vida medíocre que levamos acostumados a ver o que nos mostram e acreditamos ser certo, não precisamos pensar porque já tem quem o faça por nós. Depende de nós acordarmos para esta realidade e aprendermos a pensar além das nossas limitações, não sobre o que querem que pensemos e sim descobrir o verdadeiro mundo que existe fora da caverna platônica.
Cada detalhe de nossas vidas está afetado pela perspectiva que entendemos e ocupamos no mundo. Herdamos uma interpretação das coisas que nos cercam, tanto teóricas como práticas, e estas nos permitem lidar com os fatos de forma racional. Recebemos os valores daqueles que nos criaram, do meio que serviu de experiência ao longo da vida. Estas vão sendo incorporadas em nossa personalidade, integrando-se como padrão de comportamento correto de vida. Como a vida não pode ser determinada como pronta, pensar o amanhã é fundamental para projetarmos e imaginarmos o que queremos como organização para nossas vidas. Desta forma, com nossa percepção imediata não podemos determinar e entender a realidade. Muitas vezes o que consideramos como real pode ser considerado como irreal, e essa falsa realidade condiciona o nosso modo de entender e compreender a vida. Neste sentido, é fundamental conhecer as diferentes formas de ver e viver, conhecer suas alternativas de analisar, questionar e conduzir o senso-crítico em todos os aspectos determinantes do saber. Assim, para resgatar o sentido adequado de vida, é importante que os valores humanos determinem o nosso comportamento em relação ao próximo, vê-los como parte do nosso ambiente, da nossa realidade e participantes da organização social. Como no Mito da Caverna, voltar àquela realidade para dizer-lhes que as sombras não são a verdadeira realidade e que é possível observar as sombras por outra perspectiva.
Ao mostrar estes aspectos que determinam as possibilidades da realidade, podemos imaginar seres fora da caverna platônica. Estes por destino favorecido ou por merecimento tiveram a oportunidade de nascer fora da caverna ou sair das sombras e conhecer o mundo da luz. Conhecedores dos aspectos que dividem as duas realidades, as sombras e a luz, eles tem a oportunidade de mostrar o que existe fora da caverna para quem se encontra dentro dela, ou simplesmente se calar. Por interesses maiores, não mostram os fatos que projetam as sombras, ou seja, na construção da realidade onde são encontrados os seus interesses. Aqueles seres acorrentados ficam a mercê de poucos, não permitem que sejam mostradas suas reais intenções, intensificam sua postura rude e cruel de fortalecer as amarras que prendem os prisioneiros na escuridão. São seres que detêm o conhecimento, o poder social, econômico, cultural e político. Estes conduzem suas vidas alterando as sombras conforme a necessidade de ampliar sua influência, seus lucros e vantagens.
Num comparativo entre as pessoas que detém o poder econômico e os menos favorecidos, podemos observar que os mais favorecidos poderiam alterar esta realidade, não o fazem com receio de ter que voltar a caverna, dizer para aqueles seres que lá estão que só enxergam sombras, receiam ser ignorados, desacreditados, ter que abrir mão do muito que possuem e dividir o conhecimento adquirido durante sua vida.
Se analisarmos quem vive dentro e fora da caverna, podemos dizer que são muito parecidos no sentido da ignorância. Quem está na caverna não consegue entender o que ignora existir fora dela, não pode conceber algo que desconhece, apenas reconhece como realidade aquilo que lhe é apresentado pelas sombras. Quem se encontra fora desta, possui o conhecimento sobre sua realidade e a dos que estão na caverna, tem a capacidade de voltar, mostrar outra realidade a quem lá está e não o faz por receio, por ser ganancioso, por não se preocupar com os outros seres humanos que nunca viram a luz. Vivem suas realidades ignorando que muitos estão submissos ao sistema determinado por eles mesmos Não merecem ser chamados de seres humanos, mas sim de seres desumanos e ignorantes. Possuem tudo o que existe de bom, luxo, prazeres e conforto para suas vidas sem o mínimo de responsabilidade com quem vive enclausurado. Será que a vida tem sentido para quem vive fora e dentro da caverna da mesma forma, ou quem vive na luz tem seus direitos assegurados pela luz do conhecimento que ofusca quem ignora a realidade? Ou será que amedrontados, ficam emudecidos e se escondem em suas belas cavernas iluminadas, cercadas por todos os lados com segurança permanente?
Imaginem se em determinado momento de suas vidas, fossem obrigados a compartilhar novamente daquele mundo obscuro, sem luz, olhando as sombras que refletem no fundo da caverna e acorrentados nada pudessem fazer para de lá sair. Com certeza diriam que só pode desejar sair da caverna quem tem consciência de que existe um mundo diferente lá fora. Mas, quando existe a possibilidade de libertarem alguns daqueles seres e permitir que visualizem a luz exterior, não o fazem. Que sentido teria em nossas vidas saber que existem pessoas presas, sem conhecimento e nada fazemos para alterar essa realidade? A sociedade atual amplia uma cultura que produz uma desumanização que rompe com todas as dimensões possíveis de uma convivência ética e moral que permita construir de forma organizada uma situação de equilíbrio em nosso viver. A intransigência dos direitos humanos tem se tornado um elemento significativo dentro do contexto de equilíbrio social e humano. A desumanização conduz ao irracionalismo brutal que é empregado aos menos favorecidos, os privando de participar de forma ativa nas decisões que constroem a sociedade, desrespeitando os direitos de igualdade e condições mínimas de sobrevivência. A falta de direitos limita a capacidade criativa de buscar soluções justas e dignas, sendo necessária uma procura incessante para romper com essa divisão que criaram. A intenção não é encontrar culpados, mas solucionar os aspectos negativos que mantêm aqueles seres na caverna. Romper com as amarras e possibilitar a busca do conhecimento, mesmo que esta seja uma tarefa árdua e difícil para aqueles seres enclausurados, com este conhecimento adquirido, conhecerem os aspectos reais das sombras projetadas e ampliarem sua visão sobre os aspectos desconhecidos e reconstruir uma nova maneira de viver.

Platão em sua metáfora teve como objetivo maior identificar as limitações da concepção de realidade que nossos sentidos percebem como definitivas. As contradições surgem a todos os momentos, o que vemos em uma situação contrapõe-se ao que vemos em outra, contradiz a observação inicial, ou seja, a que visualizara pode ser pura ilusão. Se estivermos presos a uma caverna, a qual considera como única realidade existente, e fora desta muitos acontecimentos contradizem os fatos percebidos, como podemos perceber o que ocorre fora da caverna se a única maneira que temos de assimilar outra realidade é através dos nossos sentidos ou se alguém a quem já teve a experiência de estar fora desta caverna, retornar e nos dizer tudo que lá se encontra e acontece? Como podemos notar, a compreensão da realidade depende em muito de nós mesmos. Primeiro porque não conseguiríamos compreender a totalidade dos fatos, o que nos colocaria na situação de vivermos enraizados na caverna para sempre. Nossa compreensão é contaminada de conhecimentos e hipóteses observados, repassados por outros ou por nossa percepção, o que limitaria a pureza dos fatos a um entendimento que pode ser diferente do que teríamos. Neste sentido, a concepção que temos do universo perceptivo, pode surgir da discrepância ilusória que criamos sobre algo desconhecido, mas que na sua essência pode ser completamente diferente da nossa análise perceptiva. Quando nos damos conta destas diferenças, entendemos que a realidade pode ser compreendida de acordo com as experiências que nossa percepção tem dos fatos e formas pré-estabelecidas como padrão. Tudo que existe na realidade pode ser um engano, aquilo que nossa percepção nos apresenta pode ser um engano. Então, como afirmar que uma realidade é única e verdadeira? Seria impossível conceber a realidade como estrutura única e imutável. Se estas sombras são a única realidade reconhecida e vivida por nós, como podemos sair deste contexto e vislumbrar outra forma de ver o mundo que nos rodeia?
Para compreender melhor esta questão, voltamos nossa discussão à caverna, ela aborda e caracteriza a condição humana entre o estado de sabedoria e ignorância. A alegoria da caverna se mantém presente, e com força de persuasão indiscutível pela sua complexidade e profundo processo de questionamento da sociedade atual. O mito demonstra a possibilidade de uma passagem do estado de ignorância a estágios cada vez mais próximos da verdade, quando o escravo que sai da caverna torna-se pouco a pouco um ser sábio, conhecedor dos fatos que constroem a realidade das sombras e da luz. Quem rompe com as limitações da escuridão e visualiza o sol do conhecimento pode perceber que existem duas realidades distintas, uma ilusória e outra que é identificada por sua nitidez das imagens. Será que esta nova demonstra a verdadeira realidade, ou passamos da caverna da escuridão para a caverna da luz? Será que toda esta situação nova pode ser outra forma de dominação e opressão? São tantas e bem articuladas as manobras de controle do pensamento que quando achamos saber algo sobre a realidade, ou estivermos vivendo na luz, acreditando que participamos das decisões, podemos estar nos enganando. Vejamos, mesmo saindo da primeira caverna, a da escuridão, adquirimos a possibilidade de ver uma parte do conhecimento que pode nos libertar das amarras. Mesmo sendo insignificante frente ao que temos que percorrer para conhecer a realidade, ocorre em nós o mais fascinante desejo de ampliar a vontade de ir além, de conhecer e de querer mais. E quando esta vontade desperta se impõe, a busca do desconhecido, muito além do que agora conhecemos, deve ser o objeto de desejo do nosso espírito. É nesta busca incessante que o caminho ascendente do conhecimento começa a tornar-se real, fazer parte da pirâmide do crescimento intelectual do ser e que pode direcionar seu aprendizado na busca de uma realidade que contenha os valores básicos de convivência equilibrada entre os seres. Mas, os que ficam na caverna vivem numa condição de auto-escravatura a qual confundem com liberdade. Acham que compreendem seu mundo, agarram-se as suas amarras convencidos de que o que vivem é a própria realidade sem se darem conta que o que realmente vivem é um mundo de dominação e opressão.
Ao analisarmos a situação dos prisioneiros, é muito parecida com a que vivemos. Estamos nas sombras das informações concedidas pelos veículos de comunicações, não compreendemos como tudo ocorre, não sabemos quem somos e de onde viemos, para onde vamos, acreditamos no que nos é apresentado, não contestamos e nem criticamos as informações, somos submissos e aprisionados a elas. Isso tudo nos leva a pensar em alguns pontos da nossa vida, nos distraímos com algumas coisas tão banais e fúteis, não analisamos o contexto e a beleza das coisas mais profundamente. O ser humano tem se voltado para a mídia, achando que aquilo que está vendo e assistindo é a mais pura realidade. Na verdade estamos classificando nossa realidade como apenas uma sombra obscura do mundo real, que seria formado por idéias concretas e imutáveis, das quais seriamos apenas cópias imperfeitas. O mito da caverna pode ser interpretado como uma crítica ao próprio ser humano, não busca a verdade, e que em uma ingenuidade falsificada, aceita o que lhe é dito, já que isso é mais cômodo e lhe poupa o trabalho de investigar, refletir, questionar e comprovar os fatos. O ser humano repudia novas idéias com receio que isto lhe poderia causar danos materiais e psicológicos. O que lhe é estranho ou diferente causa-lhe medo. Em seu impulso natural se mantêm indiferente as novas práticas. Quando um novo paradigma lhe é apresentado, só o aceita depois de ter convicção de que esta nova concepção não interfira em suas opiniões ou mude sua realidade.
O conhecimento nem sempre está relacionado com a experiência e os fatos empíricos que vislumbramos em nossa ascendente busca da luz. Além dos fatores de compreensão que consideramos como padrão para construir o conhecimento, também podemos nos ater ao que Sócrates considerava como ponto fundamental na concepção do aprendizado, ou seja, em nossa faculdade interior do saber onde encontramos as respostas que necessitamos. O saber é pré-existente em nós e, quando desperto, nos fornece a base para entendermos os porquês, nos faz atentar para os fatos e objetos e como compreendê-los. Kant chamaria este conhecimento de a priori, o que seria inerente ao próprio ser e independente do a posteriori, do empírico, ou seja, relacionado a experiência. Este conhecimento foi chamado por ele de “puro”, aquele que é inerente à percepção dos fatos, mas compreendendo e utilizando-se deste conhecimento conseguimos entender que na caverna apenas sombras são refletidas e que os prisioneiros devem despertar suas ambições de conhecimento para romper com as amarras e buscar a luz da compreensão. Mas, para se libertar da escuridão, o conhecimento a priori deve ser utilizado para despertar a vontade de querer compreender sua situação e na ânsia do conhecimento iniciar sua jornada rumo ao saber.
A percepção do real ou do ilusório é uma representação que nos permite, situados no tempo e no espaço, utilizar o conceito a priori para perceber o mundo exterior como nos é mostrado. Nossa consciência elabora então uma representação daquilo que analisamos do exterior, formula sobre este fenômeno uma análise baseada na percepção intuitiva pré-formulada que temos dos nossos juízos. É com este olhar sobre nós mesmos que o conhecimento puro é utilizado para analisar e refletir o mundo exterior. Com ele estamos mais perto da essência dos fenômenos, conseguimos conhecê-los em sua origem e como realmente são concebidos. É exatamente neste sentido que nos libertamos dos preconceitos e que nos conduzem ao conhecimento da razão pura à empírica, determinando nossa condição, como vivemos, e como estamos inseridos na estrutura social dominante, se somos manipulados e de que forma acontece, o que podemos fazer para romper com esta situação, como buscar além das amarras uma condição favorável para pensar o todo, como conhecer a realidade em suas variadas formas, como desmembrar cada parte deste todo, refletir sobre elas, reconduzir nosso olhar sobre aquela realidade primeira e como poderíamos conduzir nossa volta à caverna para colaborar com aqueles seres.
Como atingir tal estágio de conhecimento? Através do conhecimento puro temos contato com nossa sensibilidade, com ela podemos compreender os sentidos, com os quais percebemos a consciência pela qual sentimos o que se passa em nós e no mundo exterior. Esses sentidos percebem os fenômenos intuitivos, são formas subjetivas que o espírito possui para formular e relacionar as idéias puras com as impressões exteriores. Ou seja, podemos encontrar no conhecimento puro e subjetivo uma percepção diferente da que temos da experiência empírica. Estes conceitos puros são elementos a priori e não correspondem à realidade objetiva. Nosso conhecimento é limitado, não vai além do fenômeno material, da aparência e do palpável. E quando utilizamos nossa intuição no sentido de conhecer a essência das coisas, nos aprimoramos cada vez mais neste conhecimento puro, e com ele formulamos uma análise crítica e racional dos acontecimentos. Nele ficamos mais próximos da pura reflexão do ser, da sua natureza, no sentido mais puro do conhecimento.

Neste sentido, podemos utilizar o texto A Coruja de Minerva e o Galo da Madrugada do filósofo professor Carlos Cirne Lima para ilustrar como construímos o conhecimento:
“Conhecer significa saber como analisar e sintetizar algo”. Significa primeiro, saber desdobrar as partes que o compõem e, segundo, repor as partes dentro da unidade do todo, cada uma em seu devido lugar. A análise divide e corta, a síntese junta e reconstitui o todo. Assim o eu, cada eu, eu mesmo em conjunto com todos os outros eus engendra e adquire conhecimento das coisas. As ciências particulares são assim chamadas porque elas tratam apenas de uma classe limitada e determinada de objetos. As ciências, neste primeiro nível, são todas particulares. Nenhuma delas nos dá uma visão de conjunto das coisas, do universo inteiro. Mas é exatamente desta visão de conjunto que precisamos para compreender o sentido das coisas, o sentido de nossas vidas. Uma ciência universalíssima, situada no ápice da pirâmide do conhecimento, uma ciência que inclui todas as coisas, que tem uma visão de conjunto de todo o universo, esta é a ciência de todas as outras ciências. É disso que precisamos. Esta é a intenção e a meta da dialética ascendente que, saindo do particular, nos leva em busca dos princípios universalíssimos que regem todas as coisas, que determinam todo o universo. No começo da dialética ascendente temos como ponto da partida as certezas do dia a dia e das ciências particulares, ou, como dizia Hegel, a certeza sensível. O eu individual se descobre, dentro de si, como um eu universal. Este eu universal está presente na vida cotidiana de cada um de nós como o senso comum e a vontade comum da comunidade em que vivemos, como o eu cientificamente universal da comunidade científica. O eu individual se alarga, se amplia e transforma-se no eu universal, que inclui todos os outros eus pensantes. Mas nós queremos e precisamos mais do que isso. O eu precisa crescer e ampliar-se mais de sorte a conter as coisas da natureza, sem o que nenhum eu pode ser o que de fato é. Este eu ampliado contem toda a natureza e é tão abrangente que inclui todo o universo. Eu, eu mesmo, ou melhor, o eu ampliado que eu sou contém e inclui o universo inteiro. Este eu que é o Universo obedece às três regras básicas da Lógica: Identidade, Diferença e Coerência. Estes são os três grandes princípios que regem o universo. O princípio da Identidade garante a interação, a reprodução. O princípio da Diferença explica a emergência do novo, inclusive às mutações por acaso. O princípio da coerência elimina opostos que são duramente incoerentes, suavizam e superam pequenas incoerências através da introdução de novos aspectos lógicos, novas dobras, novas facetas ontológicas. Entendido isto, entendidos os primeiros princípios que regem o universo, surge à tarefa filosófica de voltar ao mundo concreto de nosso dia a dia. Estamos, agora, prontos para começar a dialética descendente, que consiste na reconstrução, passo por passo, do mundo concreto a partir dos três primeiros princípios. A ciência particular, depois de proposta como teoria, volta aos fenômenos, explicando-os em sua estrutura racional, explicando como as partes estão construídas, como elas interagem e se inserem no todo. A ciência universalíssima, a Filosofia, faz exatamente o mesmo. A partir dos três primeiros princípios, que constituem uma teoria geral do Universo, ela mostra como a Lógica engendra a Natureza e a Natureza, num longo processo de evolução, engendra o Espírito. Assim, todas as coisas no Universo se originam, num processo evolutivo, de um ovo inicial. Todas as coisas têm sentido e fazem sentido se e enquanto elas estão em coerência consigo mesmas e com as outras coisas, se elas estão em coerência com todo o Universo. Na dialética ascendente começamos do mundo concreto e avançamos subindo, degrau por degrau, para uma visão de conjunto, para os três primeiros princípios. Na dialética descendente começamos com os três primeiros princípios e mostramos, dobra por dobra, como o Universo se des-dobra, se desenvolve até chegar ao mundo em que vivemos com sua multiplicidade variegada de seres, coisas e entidades. Para compreender o sentido do mundo precisamos primeiro subir, para depois descer. A dialética ascendente amplia nosso eu até que ele fica tão amplo que se identifica com o Universo. Na dialética descendente reconstruímos o mundo, explicamos o mundo, mostrando, dobra por dobra, como tudo, pela evolução, se desenvolveu. Esta é a visão sábia de quem, olhando todo o processo, olha para trás, olha para o passado. Este olhar, voltado para o que já passou, é simbolizado pela coruja de Minerva, que só levanta vôo quando cai o entardecer. Mas como os estudantes de Hegel em Berlim já diziam, é preciso pôr ao lado da coruja de Minerva o canto do galo da madrugada que, olhando para frente, para o futuro, anuncia o dia que está por vir. Ele exprime o que deve ser, o ideal que ainda não se concretizou, mas que estamos desde sempre antecipando. Se o olharmos assim, o mundo tem sentido. A vida, assim, faz sentido”.
Seguindo esta linha de raciocínio, ao olhar para aqueles seres presos na caverna podemos perceber que visualizavam apenas sombras como experiência empírica do seu exterior. Compreender suas limitações, como ver além do que lhes era exposto e entender o que não fazia parte das imagens projetadas no fundo da caverna mostra a incapacidade de identificar como a realidade é construída e apresentada. Ao conhecer o conhecimento a priori, baseado em nossa intuição nos levam além das sombras o propósito intencional da ação em uma vontade livre que permita romper com as amarras que condicionam o pensar e limitam as possibilidades de conhecermos além da escuridão. O temor da mudança e do desconhecido mundo objetivo da luz limitava aqueles seres e suas concepções sombrias. Não conhecendo o mundo exterior da caverna, mas apenas sua representação através do que era projetado pela abertura dela tornaram-se meros espectadores da mídia das sombras. Esta relação, entre o nosso espírito e os fatos do mundo empírico, onde muitas vezes somos enganados por nossa compreensão, demonstra a fragilidade de concepção que temos desta relação externa e interna. A realidade objetiva torna-se clara, real pelo contato direto que temos dos fatos e dos acontecimentos, mas nossa percepção pode permitir conhecer a essência dos fatos sem a interferência externa que pode mascarar o sentido mais puro do que procuramos.
Com esta síntese inicial, podemos entender que para compreendermos o mundo a nossa volta, é necessário compreender o sentido primeiro da existência do ser. Para esta análise faremos algumas explanações sobre elementos que fornecem base de argumentação para construirmos uma visão mais apurada da realidade.
O desejo de conhecer a realidade, as coisas e o que acontece, é inerente ao homem. Nosso impulso natural de curiosidade encontra disposição para investigar a essência e o sentido das coisas que acontecem no dia-a-dia. Nossa sede irreprimível de conhecimento para satisfazer a curiosidade que tem sobre o desconhecido é muito grande. Neste sentido, temos o conhecimento empírico, resultante da observação que praticamos dos fenômenos, sem refletir sobre sua natureza e sem investigar suas causas. Temos também o conhecimento particular, aquele que procura entender e explicar as coisas por razões mais profundas. Que penetra na realidade sensível e nas suas relações com as experiências externas, procura na essência pura, isto é, nas causas primeiras ou quase inatingíveis de todas as coisas os parâmetros de entendimento. Sua raiz de procura é tudo o que existe, são acessíveis à inteligência do homem, as causas remotas para atingir a verdade dos acontecimentos e entendê-los por completo, tornando-se uma busca incessante e desconhecida.
Com essa percepção de conhecimento particular podemos nos aproximar da idéia central de Kant. Ele encontra no conceito a priori a fonte para determinar a pureza dos fatos. E neste sentido, é fundamental estabelecer um processo crítico e reflexivo em nossas investigações. Esta fornece condições indispensáveis para adquirir conhecimento. É nas possíveis hipóteses que encontramos alternativas para estudar com clareza a realidade, não aceitar os fatos como são apresentados, explicar estes de forma racional, conhecendo suas articulações e possíveis mudanças. É necessário capacidade para perceber e sentir problemas e mistérios, manter uma atitude de curiosidade, de admiração e de perplexidade. Jamais aceitar as coisas naturalmente, ir a fundo às suas explicações e analisá-las com profundo senso-crítico. O método básico para compreensão e análise está no uso da dialética e aplicação do pensamento racional, com a contraposição de opiniões, a discussão com os outros ou consigo mesmo.

A realidade para ser apreendida em seus múltiplos e variados aspectos deve ser ao mesmo tempo conhecida, sentida e vivida. O único instrumento que nos permite penetrar no fundo do ser e atingir a essência da realidade é a inteligência de pesquisar e investigar os fatos, desmembrando suas partes, parte por parte, até atingir o ápice do conhecimento, após, reorganizar estas partes, uma a uma, voltar à realidade com suas conclusões, apresentá-las aos demais, mostrar o que entendeu como possível e viável para a realidade, discutir e rediscutir até atingir não uma afirmação, mas uma teoria lógica próxima da verdade. Neste sentido “O grande especialista não é quem acha que sabe tudo, mas o que sabe tudo sobre quase nada e nada sobre o todo”. Este entende suas limitações e se expõe ao crivo dos outros para adquirir mais argumentos para sua tese.
Quem não se permite refletir sobre seu mundo, suas formas e sobre si mesmo, vive uma irrealidade comum. Quem não vive para o ser e sim para o ter limita suas possibilidades de se auto-conhecer, sem adquirir valores não consegue ser feliz. Nossa natureza nos diz que sem estes afastamos tudo que consideramos como bom, seja o equilíbrio, a harmonia do ser, o amor e a própria felicidade que é fruto destes valores. O refletir sobre o ser humano, buscar a razão do seu viver, o sentido de estar e participar desta vida, da sua existência, adquirir conhecimento da realidade e suas verdades, é fundamental no sentido de entender sua vida, a conviver socialmente e participar de forma honesta com o meio que vive. Entender a si e ao próximo, a realidade como uma oportunidade de reflexão e elucidação das nossas origens.
Assim, nos surgem muitas dúvidas sobre a realidade. O que e de que forma devemos agir? Será que devemos aceitar de forma imediata as coisas ou considerá-las inacabadas? Devemos questionar a nós mesmos, as situações do cotidiano, as idéias que se apresentam para nós, os valores prontos, os porquês de tudo que existe e para que existem? Se tem importância tudo que aí está, o que são, porque são e como são? Assim, a utilidade de nossas reflexões deve ser a de abandonar a ingenuidade, os preconceitos que construímos a partir do senso-comum e que nos limitam. Romper com as idéias dominantes, não ser submisso a estas e formular concepções críticas sobre tudo que nos rodeia em nossa sociedade. Exigir explicações, respostas conclusivas para os problemas, submetê-los à análise, à crítica, à discussão e a demonstração de que são verdadeiras.
Ao construirmos tais definições sobre o comportamento adequado para fugirmos da prática indutiva, é fundamental compreendermos o sentido da razão. Em seus vários sentidos, a razão é o referencial de orientação do homem em todos os campos, pois neles é possível a indagação e a investigação. Nesse sentido, dizemos que a razão é uma faculdade própria do homem que o distingue dos animais e fundamento da razão do ser. Visto que a razão de ser de uma coisa é sua essência necessária ou substância expressa na definição do ser, assume-se às vezes por razão a própria substância ou a sua definição. A razão é a força que liberta dos preconceitos, do mito, das opiniões enraizadas, das falsas aparências, permitindo estabelecer um critério universal ou comum para a conduta do homem em todos os campos. Significa pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros. Razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. É uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível. É, também, a confiança de que podemos ordenar e organizar as coisas porque são organizáveis, ordenáveis, compreensíveis nelas mesmas e por elas mesmas, isto é, as próprias coisas são racionais. A razão está muito próxima do bom senso, ou seja, temos a capacidade de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso, que recebe o nome de senso ou razão e é igual em todos os homens; portanto, a disparidade de nossas opiniões não provém do fato de que umas são mais racionais que as outras, mas apenas de conduzirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes, sem levar as coisas em consideração. Não basta ter o espírito são; o principal é aplicá-lo bem. Para isso, juntar a razão e o conhecimento puro é permitir uma análise mais apurada da realidade.
Como podemos notar, a razão possibilita o pensar, calcular, juntar, reunir, separar, medir e ordenar com clareza e precisão as palavras. As ações humanas são as práticas destas palavras. Muitas vezes, mal utilizadas por ignorância, não percebemos ou sentimos, não sabemos que não sabemos, somos ignorantes por desconhecer algo. Mantemos nossas opiniões e crenças porque consideramos as únicas existentes ou que temos contato direto. Assim, quando despertamos para algo, nossa vontade sobre fatos novos exprime o querer saber o que não sabíamos. Com Sócrates ocorreu o mesmo, em certo momento de sua vida, despertou para as possibilidades de possuir outras formas de ver a realidade, poder mostrar e despertar nos seres aprisionados o que lhes permitiria visualizar a realidade não do interior da caverna, mas do lado de fora onde o conhecimento era permitido pela luz que ali brilhava.
Assim, na vida ignoramos o que existe atrás das informações, dos fatos e ações maiores, limitamos nossa compreensão por não entendermos o que ocorre. São inúmeras as informações que nossa percepção não consegue assimilar e distinguir aquilo que serve daquilo que não convém para nós. O exemplo mais claro é a mídia eletrônica que realiza um jogo de informações tão rápido que nossa mente aceita todas sem filtrá-las, são tantas e tão bem elaboradas que confundem nossa compreensão perceptiva. Não conseguimos formular uma concepção crítica do que está ocorrendo, apenas aceitamos como reais e verdadeiras as mensagens produzidas por estes veículos d comunicação. Assim, somos enclausurados na caverna da ignorância sem entendê-la, não temos condições adequadas para escolher e avaliar o que recebemos, mas por ignorarmos o que contém dentro destas informações, nos limitamos a viver de acordo com suas colocações e aceitá-las como reais.
As transformações que ocorrem na sociedade são resultantes do impacto que a revolução tecnológica vem exercendo na economia global e desta forma modificando as culturas locais. É exatamente neste sentido, que procuramos identificar que os veículos de comunicações têm o poder de enviar as informações com rapidez a todos os lugares. Podem estas informações não corresponder com a verdade dos fatos e induzir uma concepção errônea da realidade.
Ao mostrar que nossos valores são corrompidos por bens materiais em detrimento das relações humanas, nos situamos em uma realidade deteriorada em seus mais significativos alicerces, ficamos inertes em uma nova idéia onde a estrutura social segue um rumo alienado. Nesse processo, nossos atos são conduzidos por outras pessoas e utilizados como instrumento dominador. Enquanto uma minoria usufrui o melhor que existe, no nosso país a maioria das pessoas não tem o mínimo para sobreviver dignamente. Somos afetados em nossas relações pela indiferença, mantemos um afastamento dos outros para não nos envolvermos com seus problemas. Perdemos a troca de valores básicos, nossos sentimentos não são verdadeiros, deixamos o consumo e o medo ampliarem-se em nós. O amor ao próximo deixou de ser o fundamento da solidariedade entre os indivíduos. Nosso eu não está voltado para as questões éticas e morais, apenas define como prioridade a auto-realização. O indivíduo só se interessa pela maneira de como será visto pela sociedade e pelo que terá como retorno com seu silêncio em relação aos mais desvalidos.
O Mito da Caverna não é simplesmente uma apologia à morte de Sócrates, mas da nossa sociedade atual. Com essa metáfora, fica evidente que é difícil chegar ao conhecimento, pois romper com a inércia da ignorância requer sacrifícios. Sair das profundezas da caverna exige um esforço para ultrapassar nossas limitações como seres humanos.
Observamos que os veículos de comunicação nos incluem na caverna do senso-comum. Ao assistir televisão, ler um jornal ou revista, ouvir rádio ou olhar um cartaz de rua, tem-se a atenção despertada para mensagens que convidam a experimentar um determinado produto ou a utilizar algum serviço. São anúncios que pedem para usar produtos de determinadas marcas. Nem sempre estes anúncios se referem especificamente aos produtos ou serviços, mencionam que determinada empresa ou instituição têm importância e contribui para a sociedade. Dessa forma, procuram criar uma imagem positiva daquela empresa ou bandeira. Com uma imagem favorável pela sociedade, constitui-se de um produto que é benéfico às pessoas. Esta publicidade não tem a preocupação com a qualidade do produto, visa apenas seu consumo. Seu objetivo maior é convencer as pessoas a se comportarem de determinada maneira, comprar um grande número de coisas apenas por comprar, mesmo que não tenham necessidade, apenas para possuir sem usufruir, pelo prazer de ostentar a posse de certas coisas mesmo que estas fiquem jogadas em um local sem utilidade. A felicidade para eles consiste em poder adquirir. Ignoram que o prazer pode estar em coisas simples e obtidas quando realmente necessitamos. Buscar a felicidade deve partir da construção harmoniosa do nosso próprio ser, e quando estamos em equilíbrio com nossa realidade não é necessário um consumo desenfreado.
Nem sempre estas empresas deixam transparecer sua origem e os objetivos a que se destinam. Por trás delas, existem certos grupos que precisam do apoio e participação de outros para a realização de seus intentos e, com esse objetivo, procuram persuadi-los a agir numa certa direção. E eles conseguem, muitas vezes, controlar todos os meios e formas de comunicação, manipulando o conteúdo das mensagens, deixando passar algumas informações e censurando outras, de tal maneira que só é possível ver e ouvir aquilo que lhes interessa. Devemos ser conscientes dos fatos que ocorrem em nosso cotidiano e intervir como se estivéssemos fora da caverna. Os seres humanos têm sua privacidade controlada, os meios de comunicações são preparados para falsear a realidade, são tendenciosos, mostram apenas o que desejamos ver e não a realidade que está a nossa frente. Criaram um estado de alienação na população para que não possam ver as sujeiras que ocorrem. Quando mostram, também atrás desta informação tem um interesse embutido. As pessoas não conseguem ver o que acontece por carência cultural, vivem numa ignorância controlada, numa ilusão ou até mesmo aceitam o fracasso por ser mais simples do que tentar modificar sua realidade, ou seja, sair da caverna para visualizar e viver outra realidade.
Da mesma forma que Sócrates despertou para a curiosidade, nós também devemos buscar o desejo e a necessidade de buscar a verdade. Essa necessidade nasce quando nos confrontamos com idéias e opiniões estabelecidas, que podem paralisar nossa capacidade de pensar e de agir livremente. Na ânsia de romper com idéias prontas, surge o desejo e a necessidade da busca do novo. Essa busca nasce com a vontade de eliminar os preconceitos e opiniões estabelecidas que sufocam a capacidade de pensar e de agir sem interferência. Não podemos simplesmente aceitar as certezas e crenças estabelecidas, devemos ir além do exposto e encontrar explicações, interpretações e significados para a realidade que nos cerca. Para esta finalidade ser bem empregada, é fundamental um exame crítico, não aceitar nenhum conhecimento sem provar sua veracidade e confiabilidade racionalmente. Somente com uma postura baseada na dúvida e submetendo os acontecimentos e idéias à análise, à dedução, à indução e ao raciocínio sobre acontecimentos e idéias, conseguimos formular uma concepção clara que retrate a verdade em seus mais variados aspectos e formas. Mesmo após expor ao crivo da análise, corremos o risco de estarmos completamente errados. Da mesma forma que aqueles seres presos na caverna achavam viver a única e verdadeira realidade, podemos defender uma opinião que não corresponda ao real. Em nossas muitas análises, nos deparamos com situações obscuras e indecifráveis sobre os fatos. Como afirmar que algo é real ou verdadeiro se nossa capacidade reflexiva sobre estes fatos não permite afirmar que são reais? Nossa ignorância sobre os fatos demonstra uma imperfeição do conhecimento, mais precisamente uma deficiência, inseparável do saber humano e devido às limitações do homem. Assim, ao desconfiar das opiniões e crenças estabelecidas, demonstramos que nossa percepção sobre o mundo pode estar equivocada, ele pode não ser simplesmente como acreditamos que seja e como nos ensinaram, que ele é pronto, feito, pensado e constituído de uma concepção de real definida por outros como padrão para nosso comportamento.

A realidade pode ser comparada com a programação da mídia que expõe uma abordagem dogmática que aceitamos sem nenhum problema, ou seja, raciocinada levianamente sobre coisas das quais não compreendemos nada. As coisas são como realmente aparecem? Será que conseguimos ver a realidade como realmente deve ser vista? Com esta visão dogmática e conservadora, onde o receio às novidades que são possíveis e inesperadas, desconhecidas, pode colocar em risco toda uma estrutura pré-concebida como real. Esta serve de base para a manipulação das pessoas e serve para manter certas opiniões incontestáveis e imutáveis, conservam um poder dominante a uma classe social em detrimento de outras menos favorecidas.
Neste processo de alienação que a mídia impõe, os indivíduos tornam-se seres irracionais movidos pelo novo, pela ânsia de consumo, de status, de obsessão e pelo desejo do ter em detrimento do ser, o que cria um afastamento gigantesco entre as pessoas. A indiferença entre esses seres está fundamentada sobre os bens adquiridos, quanto mais tenho, mais tenho que me proteger. Para me proteger tenho que me isolar dos demais. Esse ciclo vicioso faz parte da cultura contemporânea, vivemos numa sociedade única e globalizada, mas nossa relação com o próximo fica cada vez mais difícil. Vivemos enclausurados em nossas residências protegendo nossos bens, e quando saímos perdemos contato com o nosso verdadeiro eu, assumimos o papel que a sociedade capitalista deseja. Somos seres que servem a um determinado fim. Muitas vezes, cumprimos uma tarefa que pode ser contrária ao que desejamos, pode ir contra os interesses de outra pessoa que necessite do emprego, muitas vezes temos que excluí-lo simplesmente por economia. Este ser não consegue se identificar com seus valores morais, não sabe o que faz, torna-se tão alienado de seus valores que simplesmente executa ordens. Este executar é o que lhe dará status e sucesso profissional.
E no sentido de mudança de consciência, existe um processo contínuo de conscientização do homem que é capaz de transformar sua realidade, um sistema aberto ao novo, as formas diferentes de ver o mundo e como ele é construído e a quem interessa. Nesta tarefa, primeiro podemos ir ao encontro de nosso íntimo, investigar neste as qualidades do nosso verdadeiro ser, usar o conhecimento primeiro, o a priori para formular nossos conceitos individualmente para sairmos da nossa realidade forjada e investigar a veracidade dos fatos do cotidiano. E como identificarmos a melhor forma de atuar neste contexto, entre o individual e o mundo exterior? Primeiro é necessário uma reflexão profunda que despertará a análise de nossas verdades. Com esta formulação da consciência crítica e impulsionada pela vontade ética, acreditando que esta é parte do nosso ser e que é possível utilizá-la em prol dos outros, podemos absorver os acontecimentos, reformular segundo nossos valores e reconstruir a realidade segundo a relação que o mundo nos apresenta e a que formulamos com nossa consciência. Esta visão sobre o mundo afasta-nos da alienação dominante e impulsiona uma busca da verdade dos fatos.
Contrário a estas formas manipuladoras da sociedade, a verdade vai de encontro à validade e eficácia destes procedimentos. Esta qualidade torna-se eficaz quando obtemos êxito e o verdadeiro diz como as coisas são, falso é aquele que as diz como não são. A verdade não é oculta, não é escondida, ela é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. É a qualidade das próprias coisas e está nestas. Para a verdade é necessário que ela se manifeste em sua essência como realmente deve ser. Ela depende da veracidade de quem transmite algo, que o enunciado corresponda aos fatos ocorridos e como são apresentados. A verdade está no conhecimento quando existe evidência, isto é, a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma, é alcançada pelas operações de nossa razão ou de nosso intelecto. Uma idéia é verdadeira quando corresponde ao que originou seu conteúdo, existindo fora de nosso espírito ou de nosso pensamento.
Desta forma, a verdade pressupõe que as nossas possibilidades de conhecer e indagar as causas das ilusões, dos erros e da falácia, permita estabelecer as diferenças existentes entre conhecimento verdadeiro e ilusório. O conhecimento é fundamental e importante dentro da avaliação entre o verdadeiro e o falso, é uma categoria do espírito, uma forma da atividade humana ou do sujeito. O conhecimento é uma forma controlável de receber as informações sobre algo e que permita descrevê-los ou prevê-los com certos limites de exatidão e próximos da verdade dos acontecimentos.
Para conhecermos algo em sua essência, é fundamental que a percepção forneça ao homem uma relação completa com o ambiente. A percepção não se distingue do pensamento, é conhecimento empírico, imediato, certo e exaustivo do objeto real, é a interpretação dos estímulos da sensação. A percepção fornece as qualidades dos objetos sobre nós, é uma reação imediata ao estímulo externo sobre nossos sentidos, é uma fonte de conhecimento imediato. É fundamental compreendermos que a percepção depende das condições particulares que podem causar ilusões sobre as imagens percebidas, como nas sombras que eram projetadas na caverna de Platão. Os seres aprisionados não percebiam que as origens daquelas sombras estavam relacionadas aos fatos ocorridos fora da caverna. Mas, como perceber algo quando ignoramos sua existência? Tudo deve ser colocado à prova, sendo confirmado ou rejeitado. Não é um conhecimento perfeito, nem acabado, permite ser questionado e alterado caso seja necessário.
É neste sentido que o conhecimento tem a função de lidar com o problema da verdade. O conhecimento é a relação que se estabelece entre o sujeito consciente e o objeto de análise. Torna-se o processo que permite uma ligação entre ambos, e a percepção deste objeto permite ao sujeito conhecer e organizar o mundo e seu contexto. O verdadeiro conhecimento se dá dentro do processo dialético de ida e vinda do concreto para o abstrato, processo esse que jamais tem fim e que vai revelando o mundo humano na sua riqueza e diversidade. Praticando a reflexão sobre os fenômenos, possibilita despertar este sujeito que dotado de instrumentos de raciocínio reflita sobre o sentido de tudo e de si mesmo.
Kant despertou esta possibilidade na Crítica da Razão Pura, quando expõe os conceitos a priori, o conhecimento puro que mantém uma relação com nosso espírito. Há, pois, a necessidade de se pressupor algo anterior ao sujeito e ao objeto empírico, que possibilite o desencadeamento do conhecimento a priori.
Este conhecimento a priori só existe pela razão, ou seja, vazia, sem algo que a defina como adquirida pela experiência. Sua função é a partir da experiência pensar o que recebe pela percepção e construir o conhecimento racional lógico, baseado na intuição perceptiva utilizamos o nosso auto-conhecimento, ou seja, o que o espírito humano traz em sua essência. E este só se manifesta se utilizarmos a razão como mecanismo de análise e reflexão do próprio conhecimento a priori. Assim, a razão é uma forma inata do ser, utiliza-se da sensibilidade, da inteligência e de si mesma para construir um entendimento desta experiência e formular conceitos racionais sobre a realidade. Neste sentido, a emissão e a recepção dos acontecimentos quando utilizadas para percebermos o mundo e nosso papel como membros desta sociedade, fornecem uma compreensão da exterioridade direta das mensagens apresentadas. São verdadeiras ou existe uma ideologia por detrás destas? Geralmente uma ideologia tem a finalidade de preservar a dominação, é uma forma enganadora que funciona com idéias, normas e valores pré-estabelecidos para condicionar o pensar e o agir humano sem se preocupar com a cultura individual e local de cada comunidade, como vivem ou como se inserem em um contexto mais amplo de sociedade, como absorvem informações diferentes das suas e como estas serão conduzidas em suas realidades.
As diferenças sociais e culturais delineiam padrões de percepção coletivos, definem os modelos e o modo de comportamento que devemos utilizar. Causam a incapacidade de pensar com vontade própria, nos tornamos seres repetidores acríticos das mensagens, sentimos de forma padronizada, o que sabemos ou dizemos depende do que recebemos da mídia. O modo de pensar a vida e o mundo acontece conforme as tradições do senso-comum, sem qualquer compromisso com a razão. A luz que é projetada pelo sol sobre os objetos que se encontram fora da caverna e refletidos no fundo desta, são imagens que são criadas por objetos existentes estranhos à realidade interna desta caverna, são aceitas como reais sem saber sua origem, sua forma e o porquê de estarem ali.
Quando olhamos televisão, por exemplo, não sabemos como e porque foram criadas as imagens projetadas pela mídia. Será que o que é exposto condiz com as intenções colocadas? O que é apresentado faz sentido ou é uma forma ilusória de vermos e vivermos a realidade? Quem cria as imagens projetadas pelos veículos de comunicação, tem vontade própria ou realiza esta programação com a intenção de persuadir os prisioneiros da caverna a aceita-las como reais? O empresário que quer vender um produto está preocupado com a qualidade e com quem vai consumir a programação ou apenas com seus lucros? As informações transmitidas são mecanismos de manipulação ou apenas tem a intenção de mostrar o produto? Não podemos esquecer que as pessoas não são obrigadas a permanecer presas e imobilizadas. Mas, neste sentido, percebemos que a indução ocorre de forma subliminar, por detrás das imagens que são projetadas. A manipulação está presente em vários aspectos vividos por nós, ocorre de maneira obscura, como as sombras, só que as nossas sombras são através da luz que entra em nossos lares pela televisão.
Vivemos em uma sociedade que se diz democrática, com liberdade de expressão, mas como compreender a alienação em que as pessoas vivem? A influência que a mídia exerce sobre os indivíduos tem conseqüências profundas em seus comportamentos. Ao sair da caverna e ver a realidade como se mostra diferente, bela em sua luz radiante e com as maravilhas que se apresentam, conduzem aquele ser a recusar-se a voltar à caverna. Porque o prisioneiro sai e nega-se a voltar para dizer aos outros o que enxerga? Neste sentido, o que fazemos quando temos a oportunidade de melhorar de vida, comprar um bom carro, uma boa casa, concluir um curso superior e conseguir um bom emprego. Muitas vezes esquecemos até dos mais próximos, como nossos familiares. Porque nos lembraríamos dessas pessoas? O que importa é o que possuo e o que posso usufruir da vida. Não tenho culpa sobre os outros, o que fazem ou o que deixam de fazer não é minha responsabilidade. Não representam nada em nossas vidas? O receio de dividir, ajudar e compartilhar do crescimento dos outros, amedronta estes seres. Vivemos em uma sociedade rude e cruel, sem padrões de comportamento ético e social que sirvam aos seus membros. Tomamos um rumo praticamente irreversível em nossa sociedade, rompemos com o bom senso, olhamos apenas para nós mesmos, esquecemos que todos fazem parte da sociedade e são importantes para alterarmos nossa realidade. São questionamentos que sugerem uma reflexão profunda, são estas pequenas manobras coletivas que criam o senso-comum. Até que ponto estas questões são relevantes em nossas vidas? Partimos da opinião que o homem é um ser pensante, criativo e curioso. Com estes adjetivos, torna-se importante que os indivíduos busquem compreender o porquê de sua existência e de que forma vivem? Quem orienta suas condutas, o que podem fazer para viverem por si próprios, principalmente como seres livres para pensar e agir racionalmente?
O agir racional consiste em uma construção social e cultural, que determine consensos precisos. Pois se o agir irracional existe a partir de uma percepção também irracional e este agir fornece uma gama de situações que a sociedade concebe como reais e determinantes para o convívio social, padronizados como ordem e propagados como única que determina o comportamento humano, nota-se que é necessária uma mudança entre as pessoas, sejam elas social ou culturalmente, mas que exista compreensão mútua de suas afinidades e desigualdades. Assim a razão é um instrumento importante para compreensão e possível mudança do que nos cerca. Suas concepções nos permitem pensar que seria possível uma consciência social absolutamente crítica, sem qualquer tipo de contaminação em suas bases. Estas idéias da razão devem ser usadas para verificar os interesses de quem diz que a defende e a propõe como solução dos problemas humanos. Serve igualmente, para compreender os atos desenvolvidos pelo homem de um ponto de vista externo aos mesmos. A percepção consiste em mergulhar nas questões que se apresentam, utilizando a sensibilidade racionalmente para assim determinar uma compreensão real e verdadeira dos acontecimentos. Com esta prática intuitiva, romper com as amarras da limitação, perceber o mundo em suas variadas possibilidades e fugir de uma única e determinada direção. A percepção dar-se-ia pela experiência direta em condições propícias e com elaboração mental das várias formas de ver as situações vividas. Perceber as múltiplas facetas da leitura que fazemos das cavernas existentes, explicá-las em suas múltiplas ambiguidades e dificuldades de análise.
Ao sair da caverna, Sócrates toma como verdadeiras as imagens vistas sobre a luz do sol. Nos meandros do seu modo de pensar, o conhecimento integral encontra-se ali. Seus valores sobre uma nova realidade lhe mostram ser aquela a realidade verdadeira. A vida continua sendo criada pelo homem a partir de suas percepções e representações do que enxerga. Neste sentido, a discussão de como percebemos o mundo, vincula-se a outras questões como o da construção de como a consciência enxergaria a mídia. Relacionando com a programação apresentada pelos veículos de comunicação, a razão seria a fuga da alienação provocada pela imposição das condições objetivas apresentadas por estes veículos, um mecanismo de atrofia da inteligência. Ao fazer estas afirmações, como e de que forma a mídia consegue nos amarrar e nos obrigar a ver o mundo da forma que quer? Indubitavelmente a disseminação das culturas locais e a implantação de uma nova massa cultural dominante têm alienado as mentes em favor da globalização de idéias. Formam-se seres complexos, com muitas informações fúteis e sem valores. Suas obras procuram atingir o ápice da inteligência, sem ao menos visualizar as relações entre as pessoas. Suas crenças e teorias ficam atreladas ao lucro, seus valores humanos subjugados e deixados de lado. Porque as teorias humanitárias empacam frente às dificuldades de aplicação? Porque os valores fogem do senso-comum? Porque a mídia não altera seus padrões com a finalidade de reorganizar aspectos importantes de convívio social? Agem contra o estabelecido como ideal, suas programações tem por finalidade audiência, seus lucros dependem desta manipulação. Quanto menos pensarem, mais rapidamente os seres humanos se conformam com sua situação de vida. Desviam-se da verdade por não usarem sua capacidade perceptiva para compreender o contexto social. Como são usados por esta estrutura dominante? Como lhes são impostos paradigmas de controle e limitadores da inteligência?
Nossa asserção sobre este problema social refere-se à análise e compreensão do mundo, tanto da vida cotidiana, como da vida espiritual. Podemos supor questões relevantes para a compreensão do sistema empregado na comunicação entre os diversos segmentos sociais. Para melhor expor tais situações, primeiro teremos que elaborar uma forma de compreensão dos padrões comportamentais e dos valores éticos e morais que envolvem a relação entre as pessoas. Adotamos um comportamento segundo nossa percepção que está atrelada ao senso-comum. Na formação da consciência, nossa referência está baseada nas informações exteriores que recebemos, alterando o modo como compreendemos o mundo. O que tentamos perceber é exposto tão rápido pela mídia que não entendemos a nós mesmos. Somos criados a partir das percepções exteriores recebidas, nossa personalidade é pré-determinada com um padrão social concebido como ideal coletivo.
Dentro da condição de ser pensante que somos, compreender a si mesmo tem sido uma questão restrita para o homem. Utilizando-se do raciocínio, as convicções podem detectar algo que o situe em seu mundo, colocando-o frente a frente com as possibilidades aceitáveis ou não aceitáveis. Dependendo das concepções de realidade que possuía anteriormente, receberá novas informações e as processará comparando-as com as suas anteriores. Neste sentido, numa ação reflexiva, existe a necessidade de buscarmos a autoconsciência. Nesse processo crítico surgem novos julgamentos sobre a realidade individual e coletiva que se apresenta. Nas estruturas de pensamento encontra-se a consciência que podemos utilizar para aplicar o próprio julgamento. É neste que a autoconsciência tem papel fundamental, nos eleva à dimensão ainda não explorada da razão como diferencial do ser humano na compreensão das informações que recebe. Ao pensar e submetê-las ao crivo do raciocínio crítico, constrói idéias elaboradas fora do senso-comum. Estas servirão de parâmetro para impulsionar novos conceitos sobre a realidade e elaborar convicções não fechadas, mas abertas a outras tantas quanto forem apresentadas. Este talvez seja o padrão de análise mais próximo do filosófico, criticar a tudo e a todos incessantemente utilizando-se da razão para determinar uma conduta ética frente às coisas que nos apresentam. É preciso haver atitude correta frente ao próximo, proporcionar direção, sentido para conduzirmos nossa trajetória de forma ética como seres pensantes e participantes do convívio social.
Vejamos as palavras de Aritóteles em Ética a Nicômaco: “Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas; Bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos. Mas o que por si não pensa, nem acolhe a sabedoria alheia, Esse é, em verdade, um homem inteiramente inútil”. O homem que não utiliza sua própria capacidade de reflexão para conhecer-se, não permite uma crítica sobre sua conduta aproveitando esta para uma análise sobre como vive, está sujeito à miséria ética, o que o qualifica como ser imoral. Tal ser não está em condições de conviver entre aqueles que buscam sentido digno para seus atos. Sua conduta o isola dos demais, é repudiado por não querer ser virtuoso, está sujeito ao sofrimento e infortúnios. E quem vive nestas condições não consegue ser feliz e receber conhecimento. Limita sua percepção sobre os valores, sua visão está em busca de bens materiais, não permitindo uma convivência de troca.
Uma sociedade que utilize a ética em sua organização terá ações humanas com finalidades a traçar normas comportamentais para o bem, ou seja, uma realidade perfeita para todos. A responsabilidade que assumimos frente à consciência moral torna-se determinante para compreendermos a capacidade que possuímos de distinguir o bem do mal, o certo do errado, o que devemos e o que não devemos fazer. Somos testemunhas de nossas próprias ações, julgamos os fatos e ações tanto nossas como dos outros. Esta reflexão, além de ser um produto da experiência, é uma capacidade inerente ao homem racional, aquele que utiliza a razão para construir e ordenar os atos em sua vida. Não adianta sair da caverna e esquecer o meio em que vivia. É importante ter em mente que nossa consciência moral tem valor, mesmo que as transformações ocorridas em nossa sociedade nos digam o contrário, devemos buscar nos princípios morais orientações para agirmos corretamente. Muitas são as causas exteriores que nos afastam das boas ações. Saber distinguir suas possíveis manobras nos remete ao bom entendimento de nossa consciência e subsequente boa ação. Neste sentido, a boa ação seria ter consciência da realidade diferente encontrada fora da caverna, comparar com o que vivia antes com o agora, e o que fazer para mostrar esta nova visão aos que se encontram na caverna? Mostrar que aquela realidade é composta de sombras e não de verdades empíricas em sua totalidade, e isto fica demonstrado em sua saída da caverna, busca exatamente no seu próprio ser o conhecimento puro, aquele que é capaz de romper com suas limitações e propiciar alternativas de mudanças em sua realidade.
O homem ético e verdadeiro é aquele que elabora princípios de vida capazes de orientá-lo para uma ação moralmente correta, aquele que refletindo sobre os sistemas morais elaborados se pergunta sobre a veracidade destes, o que fazer para ser justo, saber escolher os valores que devem conduzir suas relações com os outros membros da sociedade, que tipo de pessoa quer ser e quais as atitudes que deve praticar em seu convívio. Submeter sua vontade ao bem em si e a pureza nas intenções que podem ser conduzidas por si mesmo. Segundo Kant, em sua obra Crítica da Razão Pura, são três os princípios que o homem deve seguir: “Proceder de tal forma que a tua regra de conduta possa tornar-se regra de conduta universal; Nas tuas ações não uses a humanidade como meio, mas como fim; Age de tal maneira que tua vontade possa considerar-se por si como ditadora das leis naturais”.
Destas afirmações kantianas podemos dizer que nossa vontade deve seguir a razão consciente, buscar no conhecimento puro o objeto que pode ser fundamental na organização das ações empíricas. Aquilo que construirmos como parâmetros de comportamento para servir a todas as pessoas sem interferir nas leis morais, esta máxima pode ser conduzida pela sociedade e seus membros como forma de organização do meio para viabilizar o fim da sociedade. Mostrar a grandeza em sua concepção e identificar as qualidades práticas de uma conduta racional.
Na esfera intuitiva, percebemos em nossa vontade os erros que podemos cometer. Mas, é fundamental nesta percepção da realidade que o conhecimento puro esteja isento das experiências empíricas, saber distinguir as formas básicas do ato de conhecer, ou seja, aquele que não depende de quaisquer dados dos sentidos, aquele que nasce puramente de uma operação racional e conduz a juízos universais e necessários. Assim, com o conhecimento puro, colocamos na realidade o que conhecemos a priori, o que contribui para identificarmos as coisas empíricas da experiência como boas ou más.
Numa relação recíproca entre o entendimento e sensibilidade produzimos a experiência, um conhecimento real e empírico constituído por conexões de percepção que envolve o entendimento da experiência dos fatos, como dos elementos do conhecimento a priori. Mas, em que consiste a diferença entre o puro conhecimento e a experiência? O que eu vejo, o que eu percebo está ordenado segundo o espaço, o tempo e as categorias e isso não são as coisas, mas os fenômenos, que é o que eu conheço. Ao conhecer estou transformando a realidade. Com esta afinidade se realiza a síntese das percepções e a aplicabilidade aos conceitos da sensibilidade. O conceito que temos dos seres humanos não condiz com a razão, ela não pode conhecer os indivíduos como são em si, mas somente aquilo que se apresenta para ela. As ações são assim executadas através das percepções empíricas que temos da realidade sem consultarmos nossa percepção intuitiva que pode nos conduzir ao conhecimento a priori. Desta forma, a possibilidade de cometermos insensatas ações está ligada à negligente relação que praticamos com nós mesmos. Não buscamos na fonte do conhecimento puro a base de sustentação, o fundamento para nossas experiências. Os fenômenos surgem em nossas vidas e impensadamente tomamos decisões precipitadas, sem usar o crivo do conhecimento puro que existe em nós. Por esta razão, quando uma ação tem finalidades apenas individuais, pode acarretar prejuízo aos demais. Somos direcionados por uma vontade empírica a agir de acordo com os padrões definidos pela sociedade, não entendemos o que se esconde nestes. Mas, se utilizarmos o puro pensar, os valores morais serão à base da estrutura social.
Vejamos então como e de que forma estes valores podem alterar a visão de realidade que temos. A caverna social está alicerçada em comportamentos viciados, quanto mais possuímos melhores somos; se possuímos pouco, nenhum valor temos. Independente das condições intelectuais e morais somos julgados pelo que temos, não pelo que sabemos e fazemos. É neste sentido que a sociedade encontra-se enclausurada em sua caverna de interesses, olha para o mais em vez de se voltar para a luz do conhecimento puro que conduz ao caminho ascendente dos valores morais. Temos a essência do individualismo burguês, suas contradições aparecem nos atos com alternativas entre valores que expressam suas necessidades, as possibilidades que suas ações têm na acumulação privada da riqueza e que permeia os valores estabelecidos pela sociedade burguesa. Sua moral é organizada sempre no indivíduo proprietário privado, sobre seus direitos e sobre sua cidadania. Seus valores éticos fogem as necessidades e possibilidades que abrangem toda a humanidade na vida cotidiana, é sempre reduzida à possibilidade de negócios e oportunidade de lucros. Ou seja, não passa da aplicação do poder do homem sobre o homem, onde este pode ser tudo menos um ser que desenvolva a ética como princípio de equilíbrio moral entre os seres. Nesta análise burguesa, é importante salientar que ela é incompatível com a ética, é a própria expressão da miséria em que vivem, não compreende que sua vida seria melhor em uma sociedade na qual as disparidades sociais não fossem tão intensas. Na expressão de valores socialmente solidários, a miséria seria diminuída ou até desapareceria. Assim, com os valores éticos aplicados em sua essência, com base em nosso conhecimento a priori, ou com o puro pensar, estabelecemos nas relações entre os seres humanos uma abrangência nova na concepção do direito que todos devem ter e usufruir socialmente. Uma igualdade na organização social, onde a ética seja o instrumento regulador dos atos.
Kant, na Crítica da Razão Pura, propõe alcançar os princípios a priori para mostrar a ordem dos fatos sensíveis. Nesta obra, ele sistematiza uma teoria moral e estabelece a ética como marco fundamental para a racionalidade. Desta forma, agir moralmente é agir racionalmente e agir imoralmente é agir irracionalmente. A moralidade, nos alerta Kant, não pode estar ligada a uma pessoa por causa dos sentimentos ou desejos que ela possui num certo momento. Afinal, uma pessoa pode não possuir qualquer tipo de desejo e, diz ele, seria absolutamente intolerável dizer que ela não pode agir moralmente por causa de tal contingência. Uma pessoa, ao ver-se a si mesma meramente como um agente racional, com o objetivo de agir moralmente, está a tomar-se como livre das influências causais dos desejos e paixões particulares, interesses esses que poderiam de outro modo levá-lo a agir para satisfazê-los. Mas, ao agir moralmente, libertando-se das amarras do seu eu fenomenal, o agente moral realiza a sua liberdade suprema. Segundo Kant os filósofos que o antecederam estavam enganados em pensar que a moralidade é algo que apenas as elites culturais podem possuir. Todos os seres racionais têm intuições morais pré-filosóficas. E o trabalho do filósofo é o de clarificar e analisar essas intuições que todos os seres racionais possuem. As pessoas comuns não têm a obrigação de exprimir de modo adequado as suas intuições morais; esse é o trabalho do filósofo, o de clarificar os conceitos e as noções morais. Deste modo, e segundo Kant, o trabalho do filósofo é aquilo que ele próprio se propõe fazer, o de precisar e formular aquilo que já é inerente à estrutura racional de todos os homens, nomeadamente, a derradeira norma moral. Houve quem o criticasse dizendo que ele não disse nada de novo ao estabelecer o princípio da moralidade. A esse propósito diz Kant: “Mas, quem quereria introduzir um novo princípio de toda a moralidade e, por assim dizer, descobrir esta como se, antes dele, o mundo estivesse totalmente na ignorância ou no erro acerca da natureza do dever?” O que Kant procura afirmar é que não podemos apelar aos nossos sentimentos e desejos para justificar a nossa desobediência à lei moral; nada podemos fazer para justificarmos o fato de termos desobedecido à lei moral. Afinal, a característica que a lei moral possui de se aplicar com absoluta necessidade nada mais é do que nos levar a agir de certo modo, mesmo quando os nossos desejos se opõem a tal ação. A idéia de Kant é que só uma lei que seja universalmente válida pode dar origem a uma boa vontade incondicionada, isto é, a possibilidade de ser seguida por todo o ser racional é a única coisa que essa lei pode fornecer. Deste modo, a universalidade da lei é a fonte da imparcialidade e objetividade que caracteriza o pensamento moral comum.
A idéia de Kant sobre a moral nos remete à ética. E de que forma ela se aplica na sociedade atual? Vivemos em um contexto muito confuso e conturbado, onde as idéias predominantes surgem com intenções pré-determinadas. Relacionarmos o pensamento de Kant com o modo que a sociedade atual vive permite uma reflexão ética conectada à dignidade do ser humano.
Os problemas morais considerados mais importantes ao ser conduzem esta reflexão aos conceitos que balizam e que são fundamentais para uma boa convivência, permitindo desta forma dignidade ao homem. Ao refletirmos sobre dignidade, uma interrogação sobre a perplexidade da indecidibilidade que se encontra o ser humano e como ele próprio se vê frente às dificuldades que encontra para conceber o que lhe é apresentado, o que é obrigado aceitar como padrão de comportamento e o grau de dificuldade intelectual que ocorre em suas reflexões sobre a sociedade têm seu princípio na indução coletiva que lhe é apresentada.
A ética humana se define pela tendência para a verdade, busca de sentido para a dignidade que permite igualdade com o semelhante. Mesmo que o contexto real lhe pareça utópico neste aspecto, sua busca parece um objetivo digno.
Ao se perguntar o que é o ser humano, este ser defronta-se com uma multiplicidade de idéias diferentes, uma pluralidade de visões multiculturais, com desigualdades sociais e econômicas, nas quais o homem perdeu sua ligação com o mundo sensível.

Numa relação objetiva com a realidade empírica, o ser humano concebe uma forma de sentir a vida, baseada numa percepção momentânea do real aparente. Nestas, as sombras que lhe são apresentadas norteiam um aspecto muito limitado de responsabilidade social. Não lhe é permitido libertar-se das amarras de um poder totalitário que lhe oprime e o destrói intelectualmente. Sua vaga concepção dos fatos é direcionada ao necessário para sua sobrevivência. Nem sempre a dignidade humana foi respeitada pelos governantes. As normas éticas foram esquecidas do contexto social, o que contribui para a falta de consciência da humanidade. Neste sentido, a limitação das possibilidades do conhecimento norteia um questionamento histórico apresentado por Kant: o que posso conhecer? O que posso fazer? E o que posso esperar?

Como conhecer se a realidade é mascarada e se é vivida de acordo com as sombras que são projetadas por interesses maiores que os sociais? E o que posso fazer? No auto-questionamento dos fatos, indignar-se, procurar romper com as amarras da limitação intelectual, sair da escuridão e ascender pelo caminho do conhecimento em direção a luz da realidade mesmo sendo uma tarefa árdua se faz necessária. Dizer não ao conformismo, impor uma vontade própria para entender o porquê dos fatos. E o que posso esperar? Neste caminho, a busca do conhecimento puro torna-se inevitável, com ele é possível enxergar a base do que é construído e articulado pela sociedade. É neste sentido que a realidade começa a tomar outra forma, os valores humanos surgem de ações simples. E como Kant nos coloca: “Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como um meio”. E como atingir essa plenitude? Respeitar primeiro a dignidade e ampliar o respeito pelo próximo. Enquanto isso os outros não são totalmente livres para perceber que a realidade repousa sobre o seu ser real e a sua capacidade de entender a realidade não é formulada com princípios éticos daquilo que ele pode ser (e não apenas sobre o que ele faz efetivamente desta capacidade).
Somos seres capazes de formular muitos questionamentos sobre o meio que vivemos, existe uma intenção sobre o sentido real dos acontecimentos, se somos condicionados e se queremos aceitar simplesmente os fatos, ou sermos dignos da nossa condição de seres humanos pensantes, sentindo-se presente nas decisões, úteis para si e para os outros.
As informações recebidas para a nossa formação vêm dos outros, aprendemos e construímos nossa capacidade através destas informações que nos são colocadas. Neste aspecto, nós também devemos aprimorar nossos sentidos sobre a realidade para assim também colaborar na formação dos outros. Ou seja, ao conceber outra realidade fora das sombras limitadoras, devemos voltar à realidade anterior e mostrar que as possibilidades são imensas e possíveis fora daquele contexto.
Os valores morais expressos como ética humana tem por finalidade a concepção do homem reconhecida por tudo que é capaz em uma estrutura social organizada e com princípios morais. O ser humano não deve ser visto como um meio, mas como um ente que busca a realização própria. Para este objetivo, é fundamental o reconhecimento, respeito e participação dos outros seres humanos numa perfeita relação de troca de conhecimento.
É exatamente este conhecimento que forma a base ética para estabelecer os princípios que justificam a busca por melhores condições para permear nossas sensações e percepções sobre o próximo. O outro é merecedor de dignidade própria, merece ser respeitado como membro atuante da estrutura social. Assim, a consciência da própria pessoa permite alcançar os fundamentos que estabelecem a compreensão da dignidade, a capacidade de relacionamento com os outros e não de uma dignidade como valor em si, nem de uma compreensão racional própria, mas de uma conotação intuitiva e emocional que vem de dentro da própria pessoa.
Na busca da virtude e da auto-realização, deve percorrer um caminho difícil para ultrapassar as barreiras que limitam nosso crescimento; estas devem ser vistas como um aprendizado. “Mesmo que a felicidade não seja uma graça concedida pelos deuses, mas nos venha como um resultado da virtude e de alguma espécie de aprendizagem ou exercício, ela parece incluir-se entre as coisas mais divinas, pois aquilo que constitui o prêmio e a finalidade da virtude parece ser o que de melhor existe no mundo, algo de divino e abençoado”. Ao fazer a relação entre a felicidade com a virtude, mostra o poder dos atos bons na construção do caráter humano. Em outra passagem do mesmo livro expõe que: “Os homens são bons de um modo apenas, porém são maus de muitos modos. A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediana, isto é, a mediana relativa a nós, que é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática”. Ao se referir à mediana, procura demonstrar que a virtude está muito próxima do meio termo, ou seja, da sua essência. E nossa essência deve conter a dignidade que enobrece nossas ações em relação ao próximo. E com esta postura, uma sociedade torna-se justa e responsável com seus membros, situa-se na honra que a dignidade ética pode fornecer como alicerce para organizar de forma igualitária sua estrutura social.
E porque falar de dignidade em relação aos aspectos éticos da sociedade? Um ser somente participa de forma racional na sociedade quando é valorizado, quando sua educação básica é construída em fundamentos que proporcionam uma formação digna e humanitária. Mas, quando todo um sistema corrompe a própria realidade em prol de alguns, as sombras do interesse manipulam as informações e direcionam o pensar dos outros membros da sociedade. Aí está o desagrado, o vício que expõe ao “ridículo meio atrofiante” das informações sombrias que escondem as mensagens sublimadas de dominação. Quando um raio de luz ofusca o pensar, procuramos a escuridão por ser mais familiar aos nossos olhos. Mas, quando somos educados para a luz, suportamos a imensidão de idéias que são possíveis. Neste sentido, e para melhor entender o que a boa formação constitui na criação do homem, segue-se daí que neste sentido mais próprio das ações nobres podemos compreender melhor como e de que forma nossa postura frente às ações são fundamentais. Em Ética a Nicômaco, outra passagem aristotélica, é exposta de forma brilhante a postura de um homem digno e nobre:
“Desse modo, todos os homens aprovam e louvam os que se dedicam com empenho excepcional em ações nobres; e se todos ambicionassem o que é nobre e destinassem o melhor de seus esforços à prática das mais nobres ações, tudo concorreria para o bem comum e cada um asseguraria para si os maiores bens, uma vez que a virtude é o bem maior que existe”.
Por isso, a pessoa boa deve ser amiga de si mesma (pois ela mesma se beneficiará com a prática de atos nobres, ao mesmo tempo em que beneficiará o seu próximo). Mas quando às pessoas más, não, pois elas prejudicariam a si mesmas e ao próximo, abandonando-se, como costumam fazer, às suas paixões. Para o homem mau, o que ele faz em conflito com o que deve fazer ao passo que o homem bom faz o que deve, pois a razão, em cada um dos que a possuem, escolhe o que é melhor para si mesma, e o homem bom obedece à razão. O termo também se aplica no caso do homem bom que pratica muitos atos no interesse de seus amigos e de sua pátria, dando, se necessário, a vida por eles. De fato, um homem como esse de bom grado renuncia a riqueza, às honras e de um modo geral aos bens que são objetos de competição, ganhando para si a nobreza, pois prefere um curto período de intenso prazer a um longo período de satisfação moderada, doze meses de vida nobre a longos anos de vida rotineira, e uma só ação grande e nobre a muitas ações triviais. Ora, as pessoas que morrem por outras sem dúvida alcançam esse resultado; este é, portanto, um grande prêmio que escolhem para si mesmas.
Os homens bons também se desfazem de suas riquezas se por isso seus amigos puderem ganhar mais, pois enquanto o amigo de um homem adquire riqueza, ele próprio alcança nobreza; é a ele, portanto, que cabe o maior dos bens. O mesmo se aplica em relação a honras e cargos públicos: o homem bom cederá tudo isso ao seu amigo, e tal procedimento e nobre e louvável para ele.
Portanto, é com razão que um homem assim é considerado bom, uma vez que escolhe a nobreza acima de tudo. O homem bom pode, inclusive, deixar uma boa ação que poderia praticar por conta de seu amigo, pois em certas ocasiões é mais nobre sermos a causa da ação de um amigo do que agirmos nós mesmos.
Vê-se, portanto, que em todos os atos por cuja prática os homens são louvados, o homem bom reserva para si o maior quinhão daquilo que é nobre. “Neste sentido, então, como já dissemos, um homem deve ser amigo de si mesmo, mas não no sentido em que a maioria o é”.
Aristóteles nos conduz a essência da concepção de valor, ou seja, não podemos nos sentir realizados e felizes quando nossas ações são atos que prejudicam outros. É no acúmulo de bens ou de ações vantajosas que mergulhamos no erro cotidiano atual. Neste aspecto, podemos afirmar que vivemos atualmente um período que a humanidade encontra-se muito confusa com seus valores. As distorções entre as classes dominantes e os menos esclarecidos são gigantescas. Os próprios veículos de comunicação, em especial a televisão, não colaboram, distorcendo a realidade ao introduzir as idéias dominantes de uma classe prepotente e arrogante em nossa estrutura social. Com a força que possuem e se bem utilizada, seriam capazes de melhor educar as pessoas, esclarecendo como e de que forma os princípios morais são importantes na formação de uma sociedade igualitária e justa.
A ética é um importante aliado na construção destes valores. O mundo tornou-se um caos, os seres desumanos se encontram perdidos e sem saber o que fazer no meio de tanta confusão. É insignificante a interferência das questões morais na realidade atual, o que exclui a possibilidade que as relações éticas teriam em alterar alguns valores tais como o consumo desenfreado de adquirir bens, mostrar o que temos e não aquilo que somos. Ninguém respeita ninguém, nos perdemos no labirinto da insignificância em relação ao próximo, o que importa é o que consigo adquirir, meus bens valem mais do que meus próximos, nem a família é tão importante quanto estes bens.
Vivemos um momento conturbado nas relações humanas, o respeito não é adquirido, é imposto aos menos favorecidos. E o que dizer das diferenças sociais? Aqueles que muito possuem, adquirem respeito e os que pouco tem, recebem apenas um olhar insignificante. Além do menosprezo, são bombardeados pelo lixo cultural que limita sua avaliação do melhor. São perturbados pelos valores que a mídia apresenta e distorcem a realidade com situações inespecíficas ao que interessa.
Neste contexto cultural, as pessoas se sentem impotentes, sendo que muitos fatores poderiam contribuir para uma melhor formação social. A ética, por exemplo, é um dos segmentos que formam a base e posteriormente toda a estrutura de uma sociedade. Assim como na sociedade existem diversificados pensamentos, deve haver entre eles uma idéia de mundo fundamentado, em comum, nos princípios morais, de como não lesar a outrem, não matar e não possuir mais do que o necessário. É com essas concepções que uma sociedade deve estar organizada para usufruir tranquilidade, felicidade e ter perspectivas de um processo evolutivo virtuoso. Deve haver direitos e deveres solidamente fundamentado para todos onde cada componente deve exercer seu papel social. Estes devem compor uma base ética que suporte o egoísmo, a ganância e a falta de humanismo na formação intelectual dos seres.
Ao expor estas questões, estaremos entrando nos aspectos éticos que servem para discutir as noções e princípios que fundamentam a conduta moral. Somos seres pensantes por natureza. Mesmo que alguns não utilizem o pensamento de forma racional para fins virtuosos, são dotados da característica de pensar o meio. Localizados em uma tradição cultural que são o nosso modo de perceber e de apreender o mundo, compreendê-lo, raciocinar sobre ele, organizar nossa identidade e de avaliar o cenário que estamos inseridos para fazermos escolhas morais.
Neste sentido, a imaginação que constitui o modo pelo qual somos capazes de conceber as perspectivas alternativas e explorar suas implicações nas ações, relacionamentos e bem estar comum. Assim sendo, a possibilidade de ter uma posição crítica junto a um ponto de vista particular depende da habilidade imaginativa para visualizar outras formas de ver a realidade, pois, assim como se deve reconstruir a noção de objetividade, também se deve reconstruir o senso de subjetividade e imaginação. Mas como anular toda uma bagagem cultural baseada nos preconceitos, como eliminá-los e como encontrar soluções para transcender e melhorar? Muitas teorias são apresentadas neste sentido. Mas o que precisamos é de uma capacidade de nos adaptar e uma flexibilidade que nos permita confrontar e lidar construtivamente com novos problemas que emergem de nossa mutante experiência. Assim podemos alterar alguns aspectos culturais de nossa tradição para torná-los consistentes com nossos conhecimentos, pois, por esse caminho, podemos dar sentido às coisas e nos motivar para agir.
Nesta relação com o mundo empírico, Kant nos alerta para a compreensão do conhecimento puro. Com ele, o olhar sobre o mundo é inverso ao convencional. Não são os acontecimentos que determinam como agiremos, mas nossos pensamentos puros baseados nos valores que temos que vão determinar como construiremos nossas ações. E como compreender a si mesmo se não entendemos o que ocorre a nossa volta? Neste sentido a imaginação, aplicada aos conceitos éticos e morais numa reflexão racional, pode proporcionar uma análise do nosso pensamento puro. Só podemos alterar o meio que vivemos quando o nosso próprio ser é modificado por idéias boas e conceitos puros que encontrem nossa própria essência.
Para melhor entender estes aspectos podemos tentar compreender melhor as questões internas que ignoramos. Vejamos então, por que e de que forma somos inseridos em nossa própria individualidade?

Compreender a si mesmo tem sido uma questão restrita para o ser humano dentro da sua condição de ser pensante, mais ainda no tocante às fronteiras da razão, raciocínio e racionalização de suas atitudes em relação ao próximo. Neste aspecto entram aí suas convicções, justificadas ou não. Recorre à psicologia para poder detectar algo que situe o homem em seu mundo, colocando-o frente às reações alternadas, aceitáveis, não aceitáveis, ou melhores do que as que já possuíam.
Isso tudo dependerá de suas idéias anteriores para aceitar as novas propostas, assim como também se tornará a nova idéia como sua, seja total ou parcial, se válida na sua particularidade ou universalidade, esta se processará dentro de si, pois o crescimento processa-se pela inferência. Recebemos as informações de fora, comparamos com as nossas e, numa ação reflexa, aceitamos como uma resposta à nossa necessidade de procurar a autoconsciência ou deixá-la de lado para, talvez mais tarde, voltarmos a pensar na questão, ou abandoná-la completamente.
Dentro desse processo crítico, surgem novos julgamentos quanto à subjetividade individual ou social que enfrentamos, e até quando tentaremos entender a nós mesmos dentro da realidade que se apresenta?
Tudo isso traz o homem até a razão, a despeito de sua existência ou não, de sua validade ou não, como fonte de todas as convicções e possibilidades de raciocínio. Resta-nos a pergunta: Em que nos baseamos interiormente para formar essa visão? Como se formam estas estruturas de pensamento e se realmente somos capazes de tais pensamentos. Ainda são questões que precisamos meditar muito, pois qualquer reivindicação extrema, seja radical ou universal, precisaria de um respaldo que a própria reivindicação parece negar. O mais leve julgamento sobre a expressão de nosso ponto de vista rebate-nos a própria aplicação do próprio julgamento.
Se o julgamento for relativo ou condicional tendemos a cair na subjetividade, o que invalidaria a idéias-fonte, pois se baseia na objetividade sendo verdadeira, se subjetiva não sustentaria nada objetivo, sendo ela objetivamente falsa.
Estamos constantemente recebendo informações, idéias, conceitos e novos pensamentos, que submetidos à nossa usina interior, vai transformando elementos que, por mais simples ou complexos, através do processo contínuo de pensar, desenvolve uma matéria elaborada. Cabe-nos aproveitá-la na próxima etapa, que servirá de parâmetro para outras. Mesmo a mais incoerente idéia traz para o homem um atrativo indescritível. Na verdade é inerente ao ser humano o pensar. Isso o atrai e impulsiona como o combustível move as máquinas, fazendo-as úteis, validas, necessárias. A partir desse processo, elaboramos convicções que vão sendo colocadas, expostas a julgamentos, particulares ou universais, mas sempre comparadas à nossa razão primeira que defendemos, até que outra idéia nova venha nos trazer uma concepção diferente, aceitável, assumida total ou parcialmente de acordo como idéia que até então nos sustentava.
Sermos críticos faz-nos universais, pois como dizia Tolstoi, “Quem não conhece sua aldeia jamais será universal”. Apesar de sermos universos particulares, fazemos parte de outro universo, onde somos atingidos a cada instante através do pensamento, a cada instante criticamos e questionamos tudo e todos. Inicia-se o circulo, pensar-analisar-elaborar conceitos. Dependendo de nossos julgamentos, crenças, discernimento e bagagem intelectual, o produto final será aceito ou rejeitado pelo ser pensante. Sem contar com o resultado de nossa experiência, existe a possibilidade de uma nova idéia explicada dentro de um raciocínio até então inatacável ou uma forma confiável de estender a razão a outro domínio como a estética ou a ética.
Kant estabelece uma divisão dentro do raciocínio, ou seja, a massa de nossas formas de raciocínio, aplicadas somente ao mundo como aparece para nós. A outra idéia, cuja nossa natureza objetiva, nossa razão não nos pode dizer nada, incluindo a nós mesmos enquanto situados em nós mesmos, ou seja, será que conhecemos nossas próprias intenções? Trabalhamos em concurso das mesmas? Isso nos comprometeria em relação à separação das idéias, à razão e à certeza absoluta em detrimento à universalidade. É preciso haver julgamentos assumidos por nós como corretos, ou não poderemos andar em nenhuma direção, pois nossa idéia primordial a respeito do mundo existente e mutável tem a função de leme, nos proporcionando direção e sentido para navegarmos ao infinito. É claro, caberá sempre uma revisão. Não há regras, intransigência é o navegar em frente, apesar das tempestades desafiadoras das objetividades.
Para ilustrar melhor toda essa argumentação, colocarei algumas idéias construídas a partir do filme Quem somos nós. “No início havia apenas o vazio, com possibilidades infinitas”. Esta idéia demonstra exatamente o campo ao qual estamos inseridos para reflexão. Podemos não só construir, discutir e transformar os conceitos existentes. Permite as possibilidades de transformar as opiniões criadas e modificá-las dentro de uma reflexão lógica.
“De onde viemos? Todas as realidades existem simultaneamente? Existe a possibilidade de todos os potenciais existirem lado a lado? O que devemos fazer? Para onde vamos? Porque estamos aqui? O que é a realidade? O que acho que o mundo é e o que ele realmente é? De que são feitos os pensamentos? O que é a vida? O que é o amor? Deus existe?”. Perguntas como estas, são questões que nos acompanham durante séculos. “Vivemos num sistema visual muito instável em que a mínima flutuação da nossa percepção visual provoca rupturas na simetria do que vemos”. Também é exposto que: “Existem duas realidades, a individual onde o cérebro processa apenas dois mil bits de quatrocentos bilhões de bits que recebemos. Nossa consciência pega este mínimo e é com esta pequena realidade que criamos, captamos e formulamos nossa limitada concepção de mundo. Por outro lado, estamos inseridos numa realidade maior e mais ampla que acontece a todo instante e que não absorvemos por completo. É esta realidade que mostra o mundo existente, independente do nosso pensar e das possibilidades de captarmos o real. Observar em vários níveis de consciência e aplicá-los no mundo verdadeiro”. Assim podemos imaginar o que nossos pensamentos poderiam fazer com nossa concepção de realidade. Se a realidade individual é limitada, absorvemos o mínimo que nosso cérebro consegue captar, demonstrando que a realidade a qual consideramos como pronta e definitiva está longe de demonstrar a verdadeira realidade.
Dentro deste contexto, tentaremos primeiro esclarecer o conceito de ciência e epistemologia para melhor relaciona-la com a realidade. Ciência pode ser vista como conhecimento, o grau máximo da certeza. Pode ser demonstrada, descrita e utilizada na corrigibilidade, conhecimento da essência necessária. Epistemologia é uma teoria do conhecimento nascida do idealismo. É a realidade das coisas ou, em geral, do mundo externo. O conhecimento é uma categoria do espírito, uma forma da atividade humana ou do sujeito. O conhecimento é a experiência vivencial, o relato e a informação que pode ser objetiva e subjetiva.
Assim, com estes esclarecimentos, podemos avançar voltando às coisas simples, a capacidade de formular perguntas simples que, como Einsten costumava dizer, “Só uma criança pode fazer, mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à nossa perplexidade”. Podemos também citar o que Rousseau perguntou; “Há alguma relação entre a ciência e a virtude?” Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível à maioria? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática? Não, ele afirma. “O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreender completamente”.
Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou. Só assim podemos analisá-las e resolvê-las. Analisar significa dividir as partes do todo, interpretar uma a uma, compreender sua função e reintegrá-la no todo para desta forma compreender este montante que é a realidade. É exatamente nesta realidade que nossa compreensão de vivência pode tornar-se crítica em relação aos fatos vivenciados por nós. Nossa avaliação do real é completa? Temos condições de compreender este sistema de vida ou simplesmente somos parte do todo sem podermos alterá-lo para melhor? Será que além do senso-comum é possível organizar outra forma de viver em sociedade? Podemos utilizá-lo para construir formas mais justas de convivência?
Com estas observações podemos abordar o conhecimento do senso-comum. Para isso, algumas questões devem ser observadas. Todo o conhecimento científico-natural é científico-social? É no encontro entre a física contemporânea, o misticismo oriental de Fritjof Capra e a mecânica quântica que introduz a consciência no ato do conhecimento. Quando Bateson afirma que “Enquanto Freud ampliou o conceito de mente para dentro (permitindo-nos abranger o subconsciente e o inconsciente) é necessário agora ampliá-lo para fora (reconhecendo a existência de fenômenos mentais para além dos individuais e humanos)”.
Podemos relacionar com a idéia construída no filme que expõe a hipótese da possibilidade de conseguir ver você mesmo através dos olhos de outra pessoa que você se tornou. Ou que se você já olhou para si mesmo através dos olhos do observador Supremo? Com esta concepção podemos ultrapassar a limitada visão que o senso-comum impõe a realidade. Não que este seja objeto de irracionalidade, mas sim, instrumento para convivência entre os seres. Mas, nossos sentidos, estão em contraposição a esta realidade e as possibilidades de ampliar e transformar o senso-comum é possível de se realizar. Mesmo que este volte a se manter como senso-comum após ser modificado.
Com estas idéias podemos afirmar que não se trata tanto de sobreviver como de saber viver. Para isso, é necessária outra forma de conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una pessoalmente ao entendimento de um mundo que mais do que controlado tem de ser contemplado. Ou seja, prudência perante um mundo que, apesar de domesticado nos mostra cada dia a precariedade do sentido da nossa vida por mais segura que esteja ao nível da sobrevivência e pela satisfação pessoal que dá a quem a ele acede e o partilha.
Podemos citar que somos muito mais do que pensamos que somos e podemos ser muito mais do que isto. Podemos influenciar o meio ambiente, as pessoas, o próprio espaço e o futuro. Somos responsáveis por todas estas coisas. Não nos separamos do que nos cerca, estamos conectados a tudo isso, não estamos sós. Estamos aqui com a finalidade de intencionalidade de sermos criadores de ideais, fazer algo e reconhecer a mente. O motivo de estarmos aqui é nos tornarmos cientistas de nossa própria vida.
A ciência pós-moderna não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que tal conhecimento se deve traduzir em auto-conhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. É esta que assinala os marcos da prudência à nossa aventura científica. A prudência é a insegurança assumida e controlada. Descartes, no limiar da ciência moderna, exerceu a dúvida em vez de sofrê-la. Nós, no limiar da ciência pós-moderna, devemos exercer a insegurança em vez de sofrê-la.
Tudo isso mostra o grau de importância que representa, na convivência humana, a linguagem, o comunicar-se, o despertar do conhecimento e a necessidade de buscar na ciência elementos que fortifiquem a qualidade de vida do ser humano.
Como diz Nietzsche, “Todo o comércio entre os homens visa que cada um possa ler na alma do outro, e a língua comum é a expressão sonora dessa alma comum”. A troca realizada entre os indivíduos deve necessariamente representar um acréscimo no conhecimento. E este conhecimento deve ser científico para que a análise epistemológica da natureza humana seja ética em todos os seus sentidos. Que as relações sejam lógicas, procurem causas com valores humanos, tais como equilíbrio, harmonia entre os seres, procurem a qualificação destes com conhecimento amplo e absoluto sobre suas realidades, proporcionando um conceito de organização, construção de uma sociedade interativa e fundada no equilíbrio sócio-cultural para seus membros.
Em seu livro Sobre a Construção do Sentido, o filósofo professor Ricardo Timm de Souza elabora seu pensamento sobre como deveríamos agir frente à realidade de forma magnífica. Diz ele:
“Imaginemos que somos escultores. Temos à nossa disposição uma razoável quantidade de matéria-prima, à qual podemos imprimir nossa vontade, fazendo coisas grandes e belas.
Porém, em lugar de fazermos isso, o que fazemos é nos indagarmos continuamente, à vista de tão notável matéria-prima, qual o seu sentido. Não construímos nada: esperamos que a matéria nos revele seu segredo, seu sentido. Indagamos por ele, indagamos a ela; e nada fazemos. Perguntamos por sua beleza: porém, ao nos negarmos a intervir na sua forma, essa beleza nos permanece oculta.
Qual escultura no mundo teria surgido, houvesse o escultor mantido essa atitude meramente indagativa-contemplativa? Qual sentido da escultura, qual sentido da proporção e da beleza, teriam sido evidenciados, caso o escultor houvesse permanecido paralisado frente às infinitas virtualidades de tão magnífica matéria-prima? O que sobraria, ao final do tempo, senão a angústia do escultor que nunca chegou a entender sua relação real com a matéria prima?
Talvez a mesma angústia daqueles que, ao perguntarem pelo sentido da vida, se negam a entender que esse sentido depende também de sua intervenção pessoal e inconfundível na vida?
Talvez a pergunta pelo sentido da vida – a mais original de todas as perguntas – devesse ser compreendida como um convite a uma intervenção na vida, a construção de uma forma de agir – uma ética – que significa, em última análise, que o sentido da vida não é uma questão de perguntar, mas de agir?
A realidade que é o tempo nos dá tempo para pensar. Somos todos iniciantes, na vida como na filosofia. Mas, na tarefa que é nossa, ninguém nos poderá substituir”.

O nosso pensar exprime através da linguagem tudo que construímos internamente, mas é no agir que nossa relação com o mundo faz sentido, expõe o nosso verdadeiro ser, aquele que é capaz de, com um gesto, alterar e construir outra forma para a realidade.

Para concluir, duvidamos suficientemente do passado para imaginarmos o futuro, mas vivemos demasiadamente o presente para podermos realizar nele o futuro. Estamos divididos e fragmentados. Sabemos o caminho, mas não exatamente onde estamos na jornada. Afinal, se todo o conhecimento é auto-conhecimento, também todo o desconhecimento é auto-desconhecimento. A ciência constitui-se num conhecimento construído a partir do senso-comum. O senso-comum é criado com a experiência que o homem tem e com a ajuda da ciência que constrói visando aprimorar sua morada. Não só aprimora como continuamente a transforma em outra realidade. Ou seja, são as idéias que trabalhadas permitem ao ser humano reorganizar seus paradigmas, moldar conceitos e perspectivas que possibilitem a realidade evoluir. E este evoluir, deve ser com uma visão ampla do todo, procurando encontrar formas dignas e com valores humanos para todos. Nunca voltadas para o individual ou para grupos isolados. A concepção de realidade ideal deve obrigatoriamente observar um conjunto de atitudes que contribua para o crescimento intelectual, cultural e humano de todos os homens. É neste sentido que o senso-comum deve olhar e procurar organizar uma realidade em conjunto com a ciência. Uma realidade que seja digna para vivermos. Uma realidade que permita olhar para si própria, encontrando no senso-comum sua essência e a possibilidade de transformá-la em outra melhor. Constituída de elementos humanos, onde seus valores pessoais e coletivos sejam importantes na sociedade. Uma sociedade idealista, mas também racional em sua construção. Um local onde o ser humano seja a peça mais importante deste jogo de conflitos e ambições, onde o amor ao próximo seja um fundamento para reorganizar a realidade. Com estas atitudes, seremos capazes de observar a realidade como se fôssemos outro ser e olhar para nós mesmos com orgulho. Fazer o melhor de nós para melhorar nosso meio, ou seja, a realidade interna da caverna, não apenas continuando a ver as sombras de uma possível realidade verdadeira, mas não se esquecendo das possibilidades de construir uma realidade composta por homens éticos, virtuosos e morais em suas atitudes em relação ao próximo. A intenção maior é o respeito pelo próximo, a mudança de paradigma existencial para assim reconstruirmos nossos valores sociais.
Somente com uma postura ética e moral frente aos problemas existenciais seremos capazes de alicerçar uma nova realidade.
Eis a tarefa daqueles que acreditam que a vontade humana não pode ser voltada a interesses econômicos individuais, nem limitadores do conhecimento possível que o ser encontra a priori em sua intuição.
Voltar-se para o ser humano como premissa de uma sociedade organizada e humanitária no aspecto mais amplo do sentido ético e moral. Sim, é possível ter um olhar mais humanitário, ver o todo em vez do limitado individualismo. É possível querer mais para todos. Não aceitar as sombras simplesmente por conformismo. Mas, na ânsia do novo, desvincular-se das imagens projetadas para na busca do real encontrar a própria realidade que é o outro.



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